Textos de referência

Corpo e psiquismo – Parte 2

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

Sobre a importância do ritmo para recuperar e promover o equilíbrio psico-físico.

Pelo que tenho visto, creio que a imagem de si e o esquema corporal estão relacionados com as vias nervosas ou circuitos reverberantes que tenham tido preponderância em cada um; ou seja, “as formas de fazer” aprendidas, esquemas de movimentos gravados a nível dos neurônios, como também respostas sensíveis ou emocionais, aparentemente mentais, que são verdadeiros reflexos condicionados, formados à partir das marcas deixadas por nossas primeiras sensações, ações, etc. Estes reflexos condicionados são autênticas prisões do ser vivo, que inibem a possibilidade, eminentemente humana, de escolha. Se não posso escolher, não sou livre e nem, tão pouco, posso responsabilizar-me, verdadeiramente, por minhas ações, pensamentos ou sentimentos. Ser um ser humano, implica em tudo isto.



Como é sabido, a inibição dos reflexos dá-se ao nível cortical, e vivemos em uma civilização que valoriza muito este nível e desvaloriza, consequentemente, todos os níveis sub-corticais, como sendo próprios dos animais.



O nível de vida consciente tem sido privilegiado, talvez sem levar em conta que este “nível” tem a ver com um tipo de consciência ou inteligência: a inteligência do centro intelectual, sem ter em consideração que nos níveis sub-corticais residem outras inteligências, como as dos centros emocional, vegetativo e motor.



Consideramos que, para chegar a uma real integração, estas inteligências têm que conectar-se entre si, tem que haver um diálogo entre elas. Para tanto é necessária uma quebra na hierarquia da inteligência intelectual em relação às demais. Buscamos, com o ritmo, que ocorra algo similar ao que podemos ler no “Tratado de Fisiologia Médica”, do Dr. Arthur C. Guyton, no capítulo relativo aos reflexos, páginas 747 e 748 … “para o estudo dos reflexos medulares, seccionamos o talo cerebral no ponto médio entre os tubérculos quadrigêmeos superior e inferior, suprimindo desse modo as influências inibidoras provenientes de mais acima (córtex cerebral); assim, sem ter causado dano à zona facilitante bulbo-reticular, os reflexos medulares podem ser intensamente ativados em diversas circustâncias, e podem tornar-se muito poderosos; às vezes, mais em condições normais do que na suposta separação dos centros superiores (córtex cerebral).

“

Pela nossa experiência, parece que certas situações rítmicas, produzem algo similar ao seccionamento do talo cerebral, por debaixo do córtex, sem as conseqüências nefastas que isto poderia trazer. Pode produzir-se a excitação da zona facilitante bulbo-reticular, com a conseqüente liberação da energia que estava retida e com muita economia de energia nervosa.

Com isto estaria sendo mudado um padrão de conduta que estava gravado nos músculos, e sendo inaugurados novos circuitos neurais, que não se encontravam em uso. 

Como é de amplo conhecimento, somente 10% dos neurônios cerebrais estão em uso, o que dá um idéia da necessidade que temos de atividades que possam fazer-nos alcançar um desenvolvimento mais completo. Dá-nos a idéia, também, que numerosos enfoques sobre o ser humano que se consideram como terapêuticos, deveriam ser considerados, simplesmente, “ferramentas para o desenvolvimento humano”.



Isto posto, não é de estranhar que um ser que esteja funcionando com 10% de suas possibilidades, tenha desequilíbrios. Creio que estes são uma indicação de um ser em desenvolvimento e que ele não se dá de maneira constante. Isto foi muito estudado em relação à psicologia dos adolescentes, como sendo uma característica normal da etapa da vida pela qual estão passando. Por que não estender esta condição ao resto dos seres humanos? Por que considerar como uma enfermidade algo que pode ser um simples problema de crescimento? 



Voltando ao tema do centro motor, convém deixar claro que quando falamos de libertar-se dos próprios condicionamentos através do ritmo, referimos-nos não só a movimentos como a dança, mas também a trabalhos manuais, de emissão de voz, de mímica, de expressão verbal e, inclusive, massagens realizadas em forma rítmica. 



Temos comprovado que a expressão verbal, feita com uma dinâmica diferente da habitual, faz aflorar, muito rapidamente, conteúdos inconscientes reprimidos, e o mesmo ocorre com as outras formas de trabalho mencionadas. Desta forma, vamos recuperando o funcionamento natural do reflexo muscular e possibilitando a liberação do que poderíamos chamar expressões reflexas, que são expressões mímicas, vocais e de posturas primárias, diretamente ligadas com zonas arcaicas do psiquismo. Uma vez que estas expressões emocionais começam a fluir, está aberto o caminho para o pleno desenvolvimento da vida emocional e, pouco a pouco, podem ser encontrados novos ritmos, próprios deste centro emocional e que, às vezes, são desconhecidos por nós mesmos. Estou referindo-me a ritmos internos do sentir e, também, a ritmos de expressão exterior, ou seja, de comunicação emocional com o meio externo. 



Tendo sido dados os passos anteriores – a liberação dos reflexos musculares e as expressões correspondentes – o centro intelectual está em condições de recuperar para suas funções específicas uma quantidade de energia que estava comprometida. Por um lado para manter a repressão e, por outro, para tentar suplantar carências, inventando todo tipo de subterfúgios e racionalizações.



A função criativa da mente é, especialmente, a que fica mais bloqueada por estas interferências de centros.Com frequência, comprovamos que durante algum trabalho rítmico surgem idéias ou soluções verdadeiramente criativas, com as quais o centro intelectual vai, também, adquirindo novas formas de funcionamento, vai despertando novos circuitos neurais, vai alcançando novas dimensões que se situam, de maneira cabal, na função correspondente. É interessante poder descobrir, também, os ritmos próprios do centro intelectual e, desta maneira, facilitar o diálogo entre as diferentes inteligências que mencionamos.



Quando cada instância, cada centro, tiver recuperado aquilo que lhe é próprio, é possível que ocorram menos interferências; é possível confiar que minhas pernas possam me sustentar; confiar em meus sentimentos, os quais encontrarão seu espaço e seu tempo adequados; e que a minha mente, liberada de tanta tarefa inútil que a sobrecarrega, possa lançar-se na aventura do pensamento.

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