Textos de referência

O que e fazemos e para que? parte 1

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

– A trava psicológica e sua correlação corporal

- Trabalho sobre as diferentes plásticas

Nos dias 22 e 29 de setembro, de 1982 realizaram-se, no Instituo Rio Abierto duas palestras para praticantes e convidados, sob o título “O que fazemos e para que”. O objetivo era explicar os princípios gerais do nosso trabalho e estava a cargo da diretora da Instituição, psicóloga Maria Adela Palcos.
O encontro começou com 30 minutos de movimento corporal, do qual a maioria da assistência participou, e continuou com os diálogos a seguir:



Maria Adela (M.A.): A meta final de nossa tarefa é o que alguns chamam “autorealização”, outros “integração” e nós, como consta do cartaz que está lá fora, “desenvolvimento harmônico do homem”. Essa é a meta e esse é o caminho. Se bem que um dos nossos princípios básicos seja o de que qualquer trabalho, feito conscientemente, serve para o próprio desenvolvimento e harmonização, temos que ver por que se trabalha de determinada maneira, porque optamos por certas ferramentas (o movimento, a massagem, a dramatização, a meditação, etc.) e não outras. 



Pergunta (P): O movimento é, para vocês, uma ferramenta fundamental?



M.A. – Sim. O movimento é fundamental em nosso trabalho. Porque para nós, habitantes de uma cidade grande, tudo conduz a uma vida sedentária, uma vida muito agitada, porém sedentária, na qual apesar de haver desgastes para o sistema nervoso e para o corpo, os músculos e as articulações não recebem sua cota de movimento. Assim como o estômago requer certo tipo de alimento, o intelecto requer outro, os músculos e articulações requerem movimento. Essa idéia de que “a função faz o órgão” é estritamente verdadeira e no caso dos músculos, eu diria, dramaticamente verdadeira, pois na realidade um músculo não usado durante 2 ou 3 semanas já mostra uma atrofia bastante grande e nós que vivemos na cidade grande, com exceção daqueles que fazem algum exercício especial para compensar a vida sedentária, em geral estamos semi-atrofiados. Semi-atrofiados em comparação com um ser humano que vive junto à natureza e tem que fazer uso de todo seu potencial físico. O tipo de vida que levamos, nos faz usar nosso potencial físico de maneira ínfima.
Por esse motivo, o movimento é um dos elementos fundamentais de nossa atividade. 



P. – E a massagem? Por quê? 



M.A. – Por várias razões, uma delas é que em nossa civilização e na grande cidade o ser humano, em geral, esta muito só. Vivemos rodeados de muita gente, porém há um alto nível de solidão – mostre-me alguém que não esteja carente de afeto e eu ergo uma estátua – e a massagem traz uma proximidade entre as pessoas, é um contato muito direto. O massagista sente, especialmente nas pessoas muita necessitadas de afeto, que há algo muito ávido naquele que recebe e que a massagem é um alimento para o corpo emocional, um alimento que, de certa forma, preenche, às vezes, essa ausência de carinho. Não porque seja feita com a intenção de fazer uma carícia, mas, talvez, porque é algo que deve ser feito com amor, pois caso contrário não tem efeito.


Há outra razão mais fundamental, relacionada com o que denominamos “travas”, zonas do nosso corpo que estão muito contraídas e que denominamos assim quando se trata de pontos específicos; em caso de afetarem áreas maiores são chamadas de couraça. Talvez esta contração tenha começado levemente e foi, aos poucos, transformando-se em “trava”, uma zona sem mobilidade, que não pulsa como o resto do corpo e da qual a pessoa não tem consciência; não se dá conta de que está contraída e de que há toda uma musculatura que não trabalha e, também, algo psíquico que não se desenvolve; a energia está obstruída e, também, a circulação sangüínea e muitas outras coisas. Quer dizer, se há uma “trava” ou “couraça” aqui no peito, toda a região fica praticamente imobilizada (“travas” ou “couraças” são regiões do corpo que estão contraídas, em maior ou menor escala).
Se vou aceitando esta postura, que me deixa sem possibilidade de mover-me, a mente começa a funcionar mais lentamente, passa a ser difícil a emissão de sons, colocar a voz é um esforço titânico, a circulação sangüínea e energética são detidas; junto com isto vou perdendo a possibilidade de alegria, a quantidade de ar que passo a inspirar com esta contração é pequena, e não há alegria se não posso inspirar plenamente. Porque a alegria não é somente psíquica é psico-física.
O desânimo físico pode transformar-se em psíquico e vice-versa. Então, se não mudo esta postura, limito minhas possibilidades de alegria e, também, de expressão. Como posso ter uma expressão de satisfação, de plenitude se não consigo abrir os braços e o peito completamente? Se tivesse que rir eu o faria devagar e para dentro. Não pensem que estou inventando. Qualquer um que fique nesta posição por algum tempo, passará pelo que está acontecendo comigo agora. É um dos princípios da relação psíquica que é quase matemático, para um determinado tipo de “trava”, temos determinadas atitudes psíquicas que lhe são características e, consequentemente, determinadas possibilidades e impossibilidades psico-físicas.
Uma grande quantidade de “travas” vai desfazendo-se por si mesma, simplesmente fazendo movimentos em um grupo de ginástica harmônica. Porém, existem algumas mais profundas, de mais difícil conscientização, as quais só podem ser eliminadas através de um trabalho de massagem, de uma ajuda mais direta. Este é outro dos motivos da ocorrência da massagem. 



P. – Qual pode ser a origem de uma “trava”?



M.A. – Uma “trava” pode ter sua origem em algo físico, hereditário ou emocional. Por exemplo: uma pessoa teve um desgosto, pensemos em alguma situação dramática… encontrou sua mulher, ou seu marido, com outro(a), chegou tranqüilo e de repente ante aquela situação … (faz uma breve dramatização). Eu disse “Ah”, outras pessoas não diriam nada, porém ali ocorreu uma situação de tensão que pode ser a origem de uma “trava”, que neste caso poderia ser um pouco mais, ou um pouco menos, duradoura, porque a pessoa está casada há pelo menos 20 anos. Porém, em uma criança, um grande susto que se incorporou à sua expressão, pode provocar uma contração que depois, com o tempo, já não percebe mais, fica incorporada à sua postura; algo ali fica endurecido, imobilizado, até que ela possa expressar tudo aquilo que ficou sem ser expresso e assim ir destravando-se.
As distintas regiões do corpo indicam-nos coisas diferentes que, cada uma em um momento, ficaram detidas e isto depende, também, da história de cada pessoa, da sua infância, de qual o tipo de família que teve. Por exemplo, a “trava” pode ser sexual, não somente pela repressão sexual, como por uma educação inadequada de uso dos esfíncteres, que na maioria dos casos orienta-se por conceitos de higiene e limpeza. De maneira que se a criança está limpa, o adulto faz tudo para ela, parece que a limpeza é o mais importante. Não que eu esteja defendendo a falta de higiene, mas em muitas famílias o aprendizado da higiene e do controle dos esfíncteres, às vezes, é feito de maneira muito cruel, castiga-se a criança, etc. e ali cria-se uma “trava”, com os problemas orgânicos e psíquicos dela decorrentes.
Para começar, ao contrairmos os glúteos e toda região baixa do ventre, passamos a não ter uma boa descarga energética à terra, e os seres humanos são “artefatos” magneticamente conectados com a terra, como também com o sol. A região do baixo ventre está conectada com a terra e se eu a tenho contraída, pode ser que vá me debilitando e trave meu caminhar e, em conseqüência, como não tenho um bom apoio, ou pelo apoio ser muito instável, desenvolvo uma grande timidez. Pode ocorrer, também, que eu passe a me carregar de tensão e como não tenho como descarregá-la, desenvolvo uma contração e retenção de energia, a qual, por estar ali travada, não circula e fica ali como um tesouro escondido. Podemos ter isto em qualquer parte do organismo, dependendo, como estava dizendo, do tipo de família, etc. … ainda que nem tudo dependa disso, eu estou convencida. 



P. – Suponho que cada pessoa tenha uma sensibilidade maior ou menor às diferentes coisas que ocorrem em um determinado lugar, ou ambiente ….



M.A. – Sim, eu creio que nem tudo depende da educação. Há certas teorias que dizem que o ser humano nasce como uma página em branco. Eu não creio. Eu mesma tive quatro filhos totalmente diferentes ao nascer e que seguem sendo diferentes até hoje. O ser humano já vem ao mundo com certas características e definições, entre elas as que se conhecem como tipológicas; são várias e têm sua parte da verdade. Por exemplo: o impacto determinado pelo meio social não é o mesmo em uma pessoa longilínea, de músculos compridos, delgados e de tecido bem mais macio, em um tipo muscular sangüíneo ou em um brevilíneo, de músculos curtos, baixinho, gordinho, etc. Determinado impacto em uma pessoa produz uma “trava” e em outra não, ou provoca uma “trava” em outra região.
Além disso, há todas as variáveis genéticas, hereditárias. Se, por exemplo, tenho uma família onde todos são encurvados, o mais provável é que eu venha a encurvar-me e, consequentemente, passe a ter todas as características psíquicas correspondentes a esta postura, como dificuldade de expressar minha agressividade e, portanto, ela se volta para dentro de mim, e a seguir se converte em alguma doença ou algo parecido. 



P. – Não há também “travas” sociais? Como peito para fora, barriga para dentro, estilo “macho”? 



M.A. – Essa postura é uma armadura social. De princípio, oculta a possibilidade de sentir medo: “homem não sente medo”, e se sente “não deve demonstrá-lo”.
Esta impossibilidade de expressar-me gera, como conseqüência, a perda de contato com o mundo interior e comigo mesmo; ao perder este contato, me perco de mim mesmo e não sei quem sou. Se vivo muitos anos com esta postura, todas as respostas que vou receber estarão relacionadas com ela; se tenho a aparência desafiadora, as respostas que recebo, em geral, serão bastante agressivas, porque inspiro medo e hostilidade. Todavia, debaixo dessa armadura pode haver alguém muito sensível e assim é na maioria dos casos. Então, esta pessoa, que é sensível e está recebendo respostas hostis, sente um desânimo e um desencontro muito grandes.

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