Textos de referência

Etapas do trabalho? Parte 1

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

Primeira Etapa (nutrícia)

Nesta primeira etapa, que poderíamos caracterizar como a fase nutrícia, o indivíduo coloca-se, fundamentalmente, como alguém que recebe. Deve colocar-se como uma criança. Deve seguir o instrutor, imitá-lo como se estivesse ligado a ele por fios invisíveis. Deve fundir sua vontade com a do instrutor.


Queremos que o indivíduo perceba que não é obrigado a imitar com perfeição, mas que relaxe e deixe-se levar, suavemente, pelo instrutor; o qual, nesta etapa, exerce o papel de pai, ou mãe, que leva a criança pela mão, que a guia.


O instrutor é alguém que “dá”, não julga, não reprime, não castiga. Desta maneira, buscamos reparar um rompimento que ocorreu no indivíduo em uma idade muito tenra, com o nascimento da falsa personalidade.
Este rompimento aconteceu da seguinte forma, ao nosso modo de ver: a criança nasce como essência, ou como Eu-real. Este Eu para poder expressar-se no mundo, para poder ter uma existência social, reveste-se de uma série de qualidades, de maneiras de ser que formam, em seu conjunto, o que podemos chamar de personalidade. Há uma pequena quantidade de qualidades que se incorporam ao ser tão logo se dá a encarnação e que formarão o eu-profundo da criança como a força ou energia vital, a inteligência, o instinto de conservação e o amor. Destas qualidades derivam aquelas que vão formar a personalidade.
Estas qualidades manifestam-se através de dois polos, opostos e complementares entre si. Deste modo (como consta do esquema), em cada ser humano encontra-se, potencialmente, uma quantidade de qualidades e seus opostos:

Este esquema tem a ver com uma personalidade equilibrada, centrada, onde cada modo de ser (o que chamamos, às vezes, personagem) está eqüidistante do centro, que assinala o Eu-profundo, ou essência.


Porém, algumas dessas qualidades são, de imediato, desconsideradas e têm sua manifestação impedida, em parte pelo tipo de sociedade em que vivemos e pela educação que recebemos, rompendo-se, desta forma, o equilíbrio energético interno do indivíduo e o jogo de forças bipolares que trazem, como resultado, o surgimento da 3ª força, a equilibrante ou neutralizadora. Disto decorre que, por exemplo, a criança é ensinada a ser generosa, aplaudida quando procede dessa maneira e recriminada em caso contrário. Assim, pouco a pouco, ela tentará, por todos os meios, identificar-se com a imagem, tão elogiada, de generosidade (este é o nascimento de um personagem) e, em contra partida, ocultar, a todo custo, qualquer impulso egoísta que possa aparecer. À medida que uma maneira de ser ou personagem vai-se cristalizando, a pessoa aprende a reconhecer-se nele e, inclusive, sente que os outros a reconhecem através dessa imagem, a qual trata de levar ao mundo e, portanto, se reconhece menos através de seu Eu-profundo. 


Vemos, claramente, que o centro de gravidade do indivíduo desloca-se do seu Eu-profundo para um Eu-periférico e parcial, o qual não pode conter, de maneira nenhuma, toda sua realidade. Nesta passagem, neste deslocamento do centro de gravidade, não são perdidas somente as possibilidades da qualidade oposta, perde-se muito mais, tanto que é difícil refletir esta situação em palavras. Na verdade, o que se perde é a possibilidade de contato com a realidade.


Ao redor deste novo eixo é constituída toda uma nova personalidade, com diversas qualidades. Isto é o que chamamos de falsa personalidade ou personalidade não-centrada. Com isto não queremos referir-nos a nenhuma entidade psicopatólogica em particular, uma vez que acreditamos que, muito esquematicamente, este é um processo pelo qual, em geral, passam todos os seres humanos, pelo menos os que vivem neste nosso tipo de sociedade.


Gostaria de adicionar que, curiosamente, esta tentativa de anular uma série de aspectos de si mesmo obedece a uma razão mais profunda que talvez tenha pouco a ver com razões sociais ou educacionais. Creio que, no fundo, obedece a um sentido de unidade, que está em todos nós, e à busca do reencontro desta unidade: indivíduo = indiviso. Parece que nesta busca, temos um plano equivocado: é como se quiséssemos resgatar o sentido de unidade que há em uma semente, quando ela já se transformou em árvore, cresceu, criou raízes, tronco, ramos, folhas e flores; como se quiséssemos recuperar o sentido de unidade, porém em um ramo ou em uma folha.


O que chamamos, em nosso trabalho, desenvolvimento centrífugo é aquilo que está destinado a preencher os vazios; os espaços que surgiram no processo de desenvolvimento; a curar feridas, se por acaso ocorreram, que romperam um ramo ou impediram a fixação de uma raiz, para que a transformação da semente em árvore possa passar por todas as suas fases.


Falta, agora, a 2ª fase: a tomada de consciência de nossa unidade dentro dessa multiplicidade de qualidades ou maneiras de ser a que nos referimos. Com este intuito, desenvolvemos outra tarefa, que chamamos de desenvolvimento centrípeto que explicaremos adiante.


RECUPERAÇÃO DA LIBERDADE DO MOVIMENTO

Retomando o tema do desenvolvimento centrífugo nesta primeira etapa do trabalho, tenho que registrar outro aspecto importante: buscamos que o movimento surja do centro motor ou centro do movimento. O que queremos dizer com isto?


Trata-se de recuperar graus de liberdade do movimento perdidos, em boa parte, pelo tipo de vida que levamos especialmente nas grandes cidades e pelo tipo de educação por nós recebida, que tende a ser restritiva quanto as mais vitais manifestações de uma criança, como: correr, saltar, trepar, gritar, espernear, balançar, coisas impossíveis nas moradias atuais (em geral pequenos apartamentos). Esta falta de liberdade, por si só, vai desenvolvendo travas na criança que impedem um crescimento harmônico; há articulações não utilizadas, músculos que não se desenvolvem o quanto seria necessário e ossos que, ao não serem tracionados por estes músculos, tão pouco adquirem o comprimento e resistência necessárias. Tudo isto junto gera uma redução da confiança no próprio corpo e uma sensação de impotência difícil de ser superada. Apesar disto, muitas vezes, trata-se de compensar a criança com estímulos a sua fantasia ou inteligência pelos diversos meios disponíveis atualmente.


Voltando ao centro motor, convém deixar claro que, quando falamos em liberar-se dos próprios condicionamentos através de um ritmo, nos referimos não só a movimentos como a dança, mas também a trabalhos manuais, o uso da voz, a mímica, a expressão verbal e, inclusive, a massagem aplicada de maneira ritmada.


Temos comprovado que a expressão verbal, com uma dinâmica diferente da habitual, faz aflorar, muito rapidamente, conteúdos inconscientes reprimidos e que o mesmo ocorre com outros tipos de trabalhos já mencionados.


Desta forma, conseguimos que, ao ser recuperado o funcionamento natural do reflexo muscular, se possibilite a liberação do que poderíamos chamar expressões reflexas , que são expressões mímicas, vocais e posturais primárias, diretas, relacionadas com zonas arcaicas do psiquismo. Uma vez que estas expressões emocionais comecem a fluir, está aberto o caminho para o pleno desenvolvimento da vida emocional e, pouco a pouco, podem ser descobertos novos ritmos, próprios do centro emocional, às vezes completamente desconhecidos. Refiro-me a ritmos internos do sentir e também ritmos de comunicação emocional com o meio, ritmos que exteriorizam o sentir.
Tendo sido dados os passos anteriores – liberação dos reflexos musculares e das expressões correspondentes – o centro intelectual está em condições de recuperar, para suas funções específicas, uma grande quantidade de energia que estava comprometida: de um lado, mantendo a repressão citada e, de outro, tentando superar carências, inventando todo tipo de subterfúgios e racionalizações.


A função criativa da mente, em especial, é a que fica mais bloqueada por estas interferências de centro e, diariamente, comprovamos que durante algum trabalho rítmico, surgem idéias ou soluções verdadeiramente criativas, com o que o centro intelectual vai adquirindo novas formas de funcionamento, vai inaugurando novos circuitos neuronais, vai encontrando outras dimensões que o colocam, de maneira cabal, na função que lhe corresponde.
É interessante, também, poder descobrir os ritmos próprios do centro intelectual e, desta maneira, facilitar o diálogo entre as diferentes inteligências que mencionamos. Quando cada instância ou centro tiver recuperado aquele ritmo que lhe é próprio, é possível que se produzam menos conflitos.


Creio que esta recuperação da liberdade e da confiança no próprio corpo, que é uma base muito importante para o sentimento de confiança em si mesmo e na vida, só pode ocorrer com um incremento do movimento, ajudado por ritmos de grande potência, de maneira que se alcance uma intensidade energética superior àquela em que se formou a trava. Este ponto oferece uma oportunidade de quebra do condicionamento que se formou na infância e que descrevemos como uma interferência do centro intelectual nos centros motor e emocional. Referimo-nos àquela parte do centro intelectual em que está gravado o “não” paterno ao movimento espontâneo da criança, internalizado como “não devo” ou como uma sensação de perigo que permanece atuando sobre o movimento, especialmente os reflexos.

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