Textos de referência

Etapas do trabalho? Parte 2

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

Sustentamos a idéia que todo movimento começa, ou deveria começar, com um movimento reflexo. Quando temos um movimento pequeno, o reflexo pode atuar sozinho, quando o movimento é mais amplo a respiração colabora para expandí-lo, como continuidade do pequeno movimento reflexo inicial. Isto, aparentemente, seria o movimento natural. Estes movimentos, em boa parte, perderam-se, porque alguns reflexos ficaram inibidos, especialmente os daqueles que respondem a uma idéia ou propósito. É mais fácil que se mantenham ativos os reflexos ligados, mais diretamente, ao instinto de conservação, como a retirada, rápida e automática, da mão, ao tocar algo muito quente. Em contrapartida, quando se trata do reflexo que inicia o ato de caminhar, vejamos o que, por exemplo, pode acontecer: quero ir até o outro quarteirão para encontrar-me com alguém com quem vou realizar um trabalho, porém esta pessoa tem um tom de voz que faz lembrar meu pai em seus momentos de raiva. Isto produz um “não”, possivelmente a nível inconsciente, que levará a uma inibição do reflexo de caminhar, com a seguinte seqüela: para me dirigir aonde quero ir, vou ter que fazer uso de uma força muito maior que a necessária para um caminhar natural e, portanto, vou fazer uma quantidade de contrações que consomem um quantum de energia, que estou tirando de outros aspectos de mim mesma.


Neste sentido, tratamos de resgatar os reflexos que foram inibidos, pelo uso especialmente de movimentos rítmicos que, por sua insistência, chegam a romper os limites do próprio eu e também da imagem de si que cada um tem, incluindo a do esquema corporal.


É interessante que isto seja visto à luz da fisiologia, pois penso que a imagem de si e o esquema corporal estão muito relacionados com as vias nervosas ou os circuitos reverberantes preponderantes em cada um, quais sejam: “formas de fazer” aprendidas, esquemas de movimento gravados a nível neuronal como respostas sensíveis ou emocionais 
ou, aparentemente, mentais que são verdadeiros reflexos condicionados, a partir de marcas gravadas em nossa memória, deixadas por nossas primeiras ações, sensações, etc. Estes reflexos condicionados são verdadeiras prisões para o ser vivente que inibem a possibilidade eminentemente humana de escolha. Se não posso escolher, não sou livre e nem posso, tão pouco, responsabilizar-me por minhas ações, pensamentos, sentimentos. Todavia, ser um ser humano implica em tudo isto.


Contudo, a inibição dos reflexos, como é sabido, produz-se ao nível cortical. Vivemos em um tipo de civilização que valoriza muito este nível e, consequentemente, desvaloriza todos os sub-corticais, onde residem outras inteligências, como as dos centros emocional, vital, motor ou instintivo.


Consideramos que estas inteligências têm que conectar-se entre si para alcançar uma integração real. Tem que haver um diálogo entre elas e, para isso é necessário uma “deshierarquização” da inteligência intelectual em relação às outras.


Pela nossa experiência, parece que certas situações rítmicas produzem algo similar a seccionar o talo cerebral abaixo do cortex, evidentemente sem as conseqüências nefastas que isto pudesse acarretar. Pode ser produzida a excitação da zona facilitante bulbo-reticular e, como conseqüência, o movimento ser realizado pela simples liberação da grande quantidade de energia retida e com muita economia de energia nervosa. Com isto, novos circuitos vão sendo inaugurados e colocando em funcionamento neurônios que não estavam em uso. Isto, devido ao fato de que, nos grupos, estão sendo propostas continuamente novas formas de movimento, novas expressões, etc.

TERAPIA OU DESENVOLVIMENTO? ENFERMIDADE OU CRESCIMENTO?

Como é sabido, só 10% dos neurônios do cérebro estão em uso. Isto dá idéia da necessidade que temos de atividades que possam levar-nos a um desenvolvimento mais pleno; dá idéia também , de que numerosas abordagens do ser humano, que se consideram terapias, deveriam ser consideradas, talvez, simples ferramentas para o desenvolvimento humano. Pois não é de estranhar que um ser, que está funcionando com 10% de seu potencial, tenha desequilíbrios. Creio que estes desequilíbrios são indicativos de um ser em desenvolvimento, uma vez que o desenvolvimento não se faz de forma equilibrada, constante. Isto já foi bem estudado em relação à psicologia da adolescência, até o ponto de alguns autores considerarem certos desequilíbrios como traços normais deste período de vida. Por que não estender este benefício ao resto dos seres humanos? Por que considerar como enfermidade algo que pode ser um simples problema de crescimento? Foi aceito que quando cessa o crescimento do corpo humano, cessa o crescimento do ser humano. Creio que esta suposição é falsa e que dela derivam muitos equívocos que estão estragando a nossa sociedade atual. Se há 90% de massa cinzenta não utilizada, por que se considera o coeficiente intelectual de 16 anos como o ponto mais alto da curva de coeficiente intelectual, apesar de ser comprovado que pessoas, que seguiram cultivando-se ao longo dos anos, podem chegar à idade de 70 ou 80 anos e ter coeficiente intelectual igual ou maior do que o dos jovens de 16 anos? Não quero seguir relacionando argumentos, mas resgatar a idéia de que o ser humano tem possibilidades e necessita de um desenvolvimento muito maior do que aquele que lhe é oferecido através dos canais normais de aprendizagem.


Há numerosos exemplos, estudados e comprovados em laboratórios, de pessoas que possuem os assim chamados poderes extrasensoriais; de outros que, intencionalmente, controlam uma série de funções fisiológicas, tradicionalmente consideradas como inconscientes. Não serão estas e outras mais, qualidade que todo ser humano deveria desenvolver?

A MENTE

O problema da mente é que ela está, sempre, cheia de opiniões e, portanto nunca está livre, como é sua verdadeira essência de luz. Carregada de opiniões, vai obscurecendo-se e ficando pesada.


As opiniões são, geralmente, o mundo dos desejos expresso através do intelecto e são uma maneira da mente ficar aprisionada, a serviço da mente instintiva (ou do desejo).


O funcionamento verdadeiro da mente é neutro (refiro-me à mente criadora). Como seria sua inserção no mundo do instinto? A mente, na verdade, tem que ser uma tradutora das mensagens do mundo dos instintos que têm uma carga emocional de medo correspondente à parte mortal do ser humano. Porém, a alma imortal, a cuja esfera pertence a mente criadora, necessita despojar esta mensagem da sua carga emocional, traduzi-la em termos racionais e prover o instrumento adequado para que o instinto alcance seu objetivo.


Nesta tarefa que a mente realiza com relação ao instintivo está implícita a avaliação do grau de necessidade de que se reveste cada objetivo dele. Este envolver-se da mente na consecução dos objetivos instintivos, parece ir acentuando-se à medida que nos distanciamos da natureza, ao ponto da nossa inteligência instintiva não poder contar, no ambiente da sociedade moderna, com os meios para satisfazer suas necessidade, de forma direta. Há a necessidade de um intermediário como se, por exemplo, para satisfazer o desejo de deitar na grama, necessite desenvolver uma série de ações que estão além da possibilidade da mente instintiva: ganhar dinheiro, comprar um sítio, pagar juros, hipotecas, etc.


Tudo isto faz com que nossa mente criadora fique enroscada no mundo instintivo mais do que parece, cuidando, especialmente, para que sejam efetuadas todas as operações necessárias de tradução para o nível mental das necessidades instintivas, e a consequente devolução à parte animal dos meios adequados para atingir seus fins, dado que estes tenham sido compatibilizados com o resto do nosso ser e da realidade que nos rodeia.

É necessário encontrar esta zona neutra, ótima para o funcionamento da mente criadora e tomar consciência da quantidade de horas que ela fica comprometida com o mundo da opinião e do desejo. Às vezes tendemos a crer que a melhor maneira de liberar a mente, o espírito, ou como cada um a denomina, é desvencilhando-se dos desejos e do mundo concreto. Porém, após muitos erros de avaliação quanto a isto, nos demos conta que a liberação é alcançada quando se consegue uma boa tradução, rápida e efetiva, dos desejos e necessidades de nossa parte animal, e a consequente ação nesta direção. Uma vez alcançados os objetivos do instinto, o espírito pode voar sem dificuldades.

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