Textos de referência

A Trava Psicológica e sua Equivalente Corporal – Parte 1

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

Para ilustrar melhor este tema, optamos por fazer um breve relato do caso de Míriam (para melhor compreensão, consultar “Centros de Energia e a Expansão da Consciência”, pág. ):

Míriam, 30 anos, solteira, psicóloga de vocação tardia, é também socióloga. Provêm de família de classe média, de rígidos princípios católicos, tendo algum tempo de psicoterapia reichniana.

Qual sua demanda inicial?

Necessidade de mudança na direção de algo mais vital, mais lúdico e criativo. Algo que lhe diminua o peso da vida.
Qual a problemática que traz?

Vivia com uma sensação de insatisfação, de busca e ansiedade. Estava recém separada de sua companheira (homossexual) e de seu terapeuta. Vai, ao longo do trabalho, tomando consciência de seu problema de relacionamento com os homens (nunca havia mantido relações sexuais com um homem). Referia-se ao seu corpo como uma máquina pesada, dura e desagradável.

Características psico-físicas de Míriam.

Minha primeira impressão era de alguém vestindo uma roupa que não era sua. Envolta por algo rígido e formal e partes de sua psique lutando entre si.

Ombros suspensos, as costas estendidas como de um lutador, o rosto escondendo-se atrás de um olhar crítico, desconfiado. Por trás disto, vislumbrava-se um ser de grande sensibilidade: o peito caído, fraco, como se não pudesse manter aí aquela postura e aquele olhar de lutador; alguns lampejos mostravam inocência, limpidez e um rogo. Seus ombros e a parte alta da cabeça iam à luta, porém seu peito recuava, fugindo e preservando seu mundo interior, sensível.

As pernas eram muito finas, sem apoio suficiente; mantinham-se tensas para responder à rigidez do lutador, participavam, porém, da instabilidade da zona peitoral e do medo que vem junto com a interferência do centro cardíaco com o vegetativo e com o plexo solar. Exatamente porque há a debilidade do lutador, é necessário ativar a postura ativa mais ainda, para ocultá-la.

Isto leva a tensão a extremos: uma parte do corpo quer avançar, outra retroceder; os ombros e pernas querendo elevar-se e o peito deprimindo-se, em direção ao solo.

Quando a vi, no 1º grupo de que participou, vinha-me a idéia de uma pessoa um pouco ansiosa, ao mesmo tempo uma presença forte, às vezes persecutória. Uma presença dura, em confrontação e hipercrítica… Algumas vezes, no nosso trabalho, procuramos ver com que animal se parece a pessoa e, no caso de Míriam, podia vê-la como uma tartaruga, que se esconde toda sob o casco, ao menor sinal de perigo. Entendido como perigo, neste caso, tudo aquilo que ponha em evidência a sua parte indefesa, hipersensível.

Estratégia

Tinha que ajudar Míriam a encontrar pontos de apoio firmes, funcionais, de forma a manter o peso do corpo distribuído harmonicamente, desde a cabeça, ao longo da coluna, cadeiras e pernas.

Quando alguma interrupção ocorre na descarga do peso até a terra, há uma acumulação energética e uma trava. É o que detectávamos com a elevação dos ombros. Neste caso, há uma sobrecarga do centro laríngeo que produz, por um lado, um excesso de controle intelectual sobre as pulsões vitais e, a nível corporal, uma tensão excessiva dos músculos desta região, os quais não estão preparados para sustentar o peso do corpo. Por outro lado, a trava, em um ponto de influência de um centro energético, potencializa-o a tal ponto, que ele interfere na função dos outros centros. A zona dos braços está sob a influência dos centros laríngeo e cardíaco: o laríngeo, na sua face externa, e o cardíaco, na interna. No caso de Míriam, a postura curvada dos ombros traz uma predominância do laríngeo, que inibe o cardíaco na função de amar e de expressão do eu mais profundo. Nesta postura, o abraço amoroso – uma das expressões mais diretas do centro cardíaco – é quase impossível.

Pela nossa experiência concluímos que, antes de retirar falsos apoio ou travas, temos que ajudar a pessoa para que encontre novos apoios, isto tanto no nível físico como psicológico.

Por isso, temos a seguinte seqüência do trabalho: fases de nutrição, expressão de si e conscientização, como ilustraremos mais adiante, com este mesmo caso. O que vamos descrever a seguir é o trabalho de centro por centro, para conseguir a dissolução das travas e o retorno da energia ao seu livre fluir e a sua distribuição harmônica.

Através do movimento, da massagem, da dramatização, do som e da voz, da dinâmica, da meditação, tentamos:

1º – Fortificar pés e pernas, e dissolver as tensões desta zona – centro baixo -, abrindo os canais energéticos de descida, a fim de que Míriam pudesse chegar a conscientizá-los como bases firmes, aumentando assim sua confiança. Recordo que na 1ª massagem na face interna do pé direito, ao tocar um certo ponto surge, “como um microfilme” segundo palavras de Míriam, toda a história da sua vida, em especial uma cena com a mãe em que se sente rechaçada ao Ter sua primeira menstruação; daí em diante perde o apoio de sua mãe e torna-se titubeante.

A partir do movimento foram realizados trabalhos expressivos de auto-afirmação: erguer-se pisando com força; recuperar a sensibilidade da ponta do pé e que esta se faça amiga da terra. Percebia-se sua satisfação em poder firmar os pés e erguer-se, elevando o peito com o rosto aberto e um olhar alegre e de descobrimento.

2º – Dissolver a tensão acumulada nos ombros e pescoço (centro laríngeo), abrindo os canais energéticos até as mãos, para sentir que os ombros deixam sua posição defensiva e torturada, desçam e organizem-se na vida do coração.
Ao cair esta defesa, a pessoa pode sentir e expressar seus sentimentos desde seu centro cardíaco. Quando liberou-se a trava dos ombros, foi como abrir a caixa de Pandora: gritos, pranto, golpes, reclamações, insultos, etc. As expressões básicas eram, predominantemente, de raiva e de ódio que, passado um certo tempo, ao chegarem até seu frágil peito, transformaram-se em angústia e impotência.

Com o trabalho de movimento buscou-se recuperar, para os ombros: sensibilidade, sensualidade, a alegria do movimento e seu sentido lúdico. Lembro-me dela movendo-se com grande prazer e exibindo uma atraente sensualidade feminina.

3º – Harmonizar a energia e o corpo, permitindo que cada centro fosse ocupando seu espaço e cumprindo sua função. Quando cada parte do corpo tem espaço e plasticidade, pode funcionar, sincronizadamente, com o resto do organismo. O centro cardíaco havia sido despojado de seu espaço; sua energia fora sepultada, ficando sem possibilidade de manifestação plena. Com a queda da trava, primeiramente aparece em Míriam a angústia, que havia ficado oculta pela couraça do lutador e, com isto, vem uma queda de ânimo, falta de força e a perda do sentido da vida.

Com a liberação do centro cardíaco damos o 1º passo para o relaxamento do diafragma e da respiração. E, daí, não há mais remédio a não ser seguir descendo e chegar a trabalhar o centro vegetativo, como sede do medo. No caso de Míriam, aparecendo como o temor básico o de ser excluída do afeto e atenção dos pais.

Foram surgindo cenas nas quais seus comportamentos, rechaçados por seus pais, geravam pontos de afastamento sem possibilidades de retorno e de reconciliação, eram perdas irrecuperáveis. Porém, quanto ao medo, este não surgia no começo, somente revivenciava as reprimendas. Estava claramente identificada com o aspecto do juiz rígido e inapelável. Foi só com o tempo, através das dramatizações grupais, do aprofundamento da massagem e com o movimento, que começou a sentir o medo, origem da sua trava.

No caminho descendente, chegamos ao centro lumbo-sacro, onde se evidenciava uma forte repressão sexual, pela contração que fechava as pernas e a cadeira bloqueada à frente. Uma boa parte do movimento ondulatório da cadeira, tipicamente feminino, estava inibido. As nádegas apertadas e o púbis apontado para cima produziam um círculo vicioso da energia, que, em lugar de ser descarregada para terra, retornava ao vegetativo, gerando interferência destes dois centros entre si. Não mencionamos, até agora, o centro coronário (no topo da cabeça), nem o centro da visão e da discriminação (à altura da testa), pois suas verdadeiras funções não atingem o campo de consciência do indivíduo, enquanto permanecem as interferências dos centros já mencionados.

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