Textos de referência

Bases para o diálogo da Física Quântica com as Filosofias Espiritualistas e a Psicologia Transpessoal – Parte 1

Autora: Maristela A. André

Observação: Este texto está dividido em três partes! Confira as demais partes.
Maristela A André, S Paulo (revisto em maio/2001)

ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO

2. A TEORIA DA INCERTEZA

3. O OBSERVADOR E O OBJETO OBSERVADO (ver parte 2 do texto)

4. A CAUSAÇÃO DESCENDENTE (ver parte 2 do texto)

5. O MUNDO QUÂNTICO DA MENTE (ver parte 3 do texto)

Este texto tem por objetivo apresentar algumas das contribuições da física quântica que se constituem em portas importantes para o diálogo entre, de um lado a ciência, do outro a psicologia transpessoal e as filosofias espiritualistas.
É baseado no trabalho de Amit Goswami(*1), físico teórico e professor da Universidade de Oregon-USA, atualmente pesquisador da Noethic Society-USA.

Em dezembro de 1900, data considerada como o marco da mutação da Física Newtoniana para a Física Quântica, Marx Planck apresentou, num Congresso de Física, os dados de sua experiência com corpos negros irradiados que emitiam calor em pequenos pacotes e não de maneira contínua como era de se esperar pelas leis de Newton. Planck chamou cada um desses pacotinhos de calor de um “quantum” de energia, ou seja, uma quantidade indissociável. Plank, de formação newtoniana, não encontrou explicação para o resultado de sua experiência e apelou para os colegas, a fim de interpretá-lo.
Esse foi o ponto de partida da Física Quântica, que viria a manter uma influencia profunda sobre a visão de mundo emergente no decorrer do século XX.
Sua influencia foi tal que muitas outras áreas de conhecimento de práticas humanas passaram a utilizar-se do qualificativo “quanta”. Vemos a todo o momento, expressões tais como; medicina quântica, cura quântica, Ser quântico… A física quântica está repleta de termos que passaram a serem usados na vida diária. A teoria de incerteza dos corpos, de Heizenberg, invadiu a linguagem de áreas de conhecimento como da sociologia e da psicologia, a idéia de salto quântico passou a ser utilizado para expressar uma mudança rápida e significativa na vida de uma pessoa em algum processo qualquer.

O termo popularizou-se através de artigos em revistas e mesmo jornais, de tal forma que foi incluído no vocabulário das pessoas, muitas vezes sem levar em conta seu verdadeiro significado; por detrás do modismo, porém, existem conteúdos capazes de revolucionar as crenças, valores e hábitos mentais de todas as sociedades humanas neste fim de século.

No nosso cotidiano interpretamos o mundo pela visão da física clássica e ela nos parece ser suficiente: a realidade visível se apresenta como estruturada, suficientemente estável, a maioria dos acontecimentos é previsível, a racionalidade é a qualidade da mente que mais utilizamos para o acesso ao conhecimento técnico – científico e para a vida social, especialmente no ocidente.

A estranheza com a física quântica é percebida inclusive por seus criadores, como o físico Niels Bohr, quando disse certa vez: “os que não ficam chocados quando tomam conhecimento da teoria quântica não podem, possivelmente, tê-la compreendido” .
Para podermos entender com clareza a inovação trazida pela física quântica, é essencial antes explicitar com mais precisão as convicções crenças e valores da física clássica, liderada por luminares como Newton, Maxwell e tantos outros e que se estenderam até mesmo a visões subjacentes à teoria da relatividade de Einstein:


· Objetividade e determinismo: obedecendo às leis da física, as interações entre objetos causam todos os movimentos desses objetos; se conhecermos as condições iniciais em que se encontram os objetos (o que é essencial para defini-lo), podemos determinar seu movimento em qualquer instante de tempo;

· Continuidade: todo movimento é contínuo no tempo, portanto previsível; as incertezas eventualmente existentes serão superáveis com o progresso da ciência;

· Causalidade: existe sempre uma relação de causa e efeito entre os fenômenos de âmbito científico, obedecem a um processo de causação ascendente, ou seja, a relação de causalidade se dá das partes para o todo, do nível mais elementar para o mais complexo;

· Localidade: a relação de causa e efeito funciona mediante a interação local, o que significa que ocorre por intermediação material ou eletromagnética entre o agente causal e o objeto sobre o qual exerce o efeito e, ainda mais, que os sinais mediadores atravessam o espaço em um intervalo finito de tempo;


· Monismo materialista (filosofia implícita nas hipóteses básicas da física clássica): todo e qualquer fenômeno subjetivo, tal como os fenômenos do âmbito interno da mente humana e a idéia de auto consciência, em si mesma, são derivados da matéria (o cérebro) e, como tal, não tem nenhuma eficácia como fator causal. Esta afirmação é decorrência natural das anteriores e consiste no realismo científico, para o qual consciência no homem, bem como Consciência Universal ou Deus são hipóteses desnecessárias e estranhas ao âmbito da realidade científica; admite que todos os fenômenos de causa e efeito são sempre internos à realidade considerada cientifica.
Mesmo as ciências humanas, a exemplo da psicologia, sustentam seu status científico pela aceitação implícita de que os processos da mente são gerados pelo cérebro, sejam eles racionais, intuitivos como emocionais; a hipótese da existência de fenômeno causal de natureza espiritual é excluída como inexistente nos processos da mente humana.
Passamos a apresentar sinteticamente as convicções da física quântica importante para o novo diálogo com a psicologia transpessoal e as filosofias espiritualistas:

· A realidade subatômica é dual, é onda de possibilidades e partícula, é virtual e imanente simultaneamente, o ser e o não ser coexistem dinâmica e permanentemente.

· A descontinuidade, a incerteza e a imprevisibilidade são intrínsecas ao comportamento da realidade;

· A impossibilidade do acesso do homem ao conhecimento pleno e inequívoco da realidade pela ciência é intrínseca, insuperável;

· O conhecimento científico é influenciado pela subjetividade do observador na percepção da realidade, tornando a mente do observador co criadora da realidade;

· Existe interinfluência mútua entre observador e objeto observado e entre quaisquer objetos do mundo sub atômico, todos os componentes do universo são elementos de uma única realidade dita entrelaçada, interdependente, formando um todo dinâmico e indivisível;

· O modelo holográfico de visão do universo, defendido por físicos quânticos, leva a valorizar a abordagem do todo para estudar seus componentes, cada um dos seus elementos contém o todo, esse modelo leva o pesquisador à percepção do sincronismo entre específicos eventos e o todo;

· Físicos quânticos reconheceram a comunicação direta e instantânea entre mentes, sem a interveniência de causas aceitas como cientificas. (*2)

· A física quântica constatou a existência de processo de causalidade descendente, em contraposição com a hipótese adotada pela física clássica, da causação exclusivamente ascendente, inclusive por ação de um agente causal externo ao âmbito da realidade de um experimento científico, tal como pela presença consciente do observador;

· Os físicos de opção filosófica monista idealista admitem que o fator causal da causação descendente não seja apenas a mente do homem, mas a Consciência no homem, atuando como representante do fator causal último que é a Consciência Universal.

· Ao invés da matéria ser considerada a realidade primária ou última, a Consciência Transcendente e Universal é a base de todo o ser, o cérebro e a mente são derivados dela.
A Consciência Universal é auto referente, criadora, harmonizadora, unificadora da realidade.

· A evolução do ser humano consiste no desenvolvimento de sua capacidade de se tornar um canal aberto à Consciência Universal, ampliando assim a Consciência Individual. Tal evolução lhe permite tornar-se co-criador da harmonia universal.

Passamos a apresentar o conteúdo e a gênese destas convicções dos físicos quânticos, a mostrar as contribuições para a visão do homem ocidental e ainda a indicar como contribuem para o diálogo com filosofias espiritualistas e com psicologias transpessoais.

Aos leitores que desejarem maior detalhamento na exposição dos experimentos científicos deste capítulo, das teses dos cientistas e de suas controvérsias, aconselhamos a recorrer à bibliografia citada ao final do capítulo e a outras correlatas.


2. A TEORIA DA INCERTEZA
O

salto quântico

Observaram os físicos que um elétron, sob a forma de partícula, ao girar em torno do núcleo do átomo, passa instantaneamente de uma órbita à outra quando ganha ou perde energia. O fato contradiz a lei definida por Einstein, pela a qual a velocidade máxima do deslocamento dos corpos é a da luz.

A interpretação dos físicos foi a de que o elétron, ao trocar de órbita, não se comporta como partícula, mas como onda de probabilidades de existir em dado instante, num determinado ponto do espaço ou numa determinada órbita.
Note-se que, na condição de onda de probabilidades, o elétron pode estar presente em uma ou mais órbitas simultaneamente.



O fenômeno do deslocamento instantâneo do elétron foi chamado de “salto quântico”, o uso do conceito de “salto” se deve a que o elétron não percorre fisicamente o intervalo entre órbitas. Ao reaparecer como partícula os físicos dizem que houve um “colapso” do elétron(*3).

O fenômeno indica a condição onda-partícula do objeto quântico, a descontinuidade e a imprevisibilidade do comportamento do elétron. A natureza dos entes sub atômicos é assim reconhecida como dual, simultaneamente onda e partícula:

Desde as primeiras décadas deste século constatou-se que as partículas sub atômicas, a exemplo de elétrons e fótons, em certas experiências obedeciam às leis do movimento, da física clássica se comportando como uma partícula, como no experimento do efeito foto elétrico, outras vezes apresentam comportamento típico dos fenômenos ondulatórios, como em experiências de difração, o que levou à conclusão de que o elétron se apresenta às vezes como onda e outras como partícula, segundo o modo de observação.

O conhecimento da realidade pela ciência é intrinsecamente incerto. Heisenberg, cientista expoente da formulação da teoria quântica, disse que “o que observamos não é a natureza em si mesma, mas é esta enquanto exposta o nosso modo de observá-la.”
A nível sub atômico, a teoria da incerteza mostrou que quanto mais precisamente conhecemos um aspecto da realidade, menos podemos conhecer de outro igualmente essencial.


Max Born outro físico dos que conceberam a física quântica, constatou que sempre que um foco de luz é dirigido a uma partícula sub atômica, que passou a ser denominada objeto quântico, perde-se a possibilidade de, naquele instante, conhecer também sua velocidade e o seu momentum (dado pelo produto da velocidade com a massa do objeto); concluiu que não é possível conhecer o conjunto completo de características necessárias para a plena definição do objeto quântico por suas características essenciais; em decorrência não é possível a previsão do seu comportamento.

Neils Bohr, físico quântico, demonstrou que natureza dual da onda de possibilidades-partícula, é de complementaridade, é inseparável, e que é impossível detectar simultaneamente estas duas formas de ser.


Notemos que as idéias até aqui expostas já contrariam profundamente a visão da física newtoniana; negam, por exemplo, a continuidade dos fenômenos, a previsibilidade e a objetividade do conhecimento científico.

A próxima frase permite notar como tinha razão o físico Niels Bohr sobre o choque das descobertas da física com nossas convicções mais arraigadas.

As ondas referidas como base da realidade sub atômica são ondas de probabilidades de existir, são apenas tendências no espaço-tempo, realidades virtuais. Assim sendo, a realidade quântica é dual, virtual e material simultaneamente, é o ser e o não ser coexistindo dinâmica e permanentemente.

Uma das inferências que tem sido feitas a partir da constatação do salto quântico é de que ele caracteriza não só a incerteza, mas também a oportunidade, dando espaço para a admissão de que no comportamento da natureza ocorram atos criativos; mais adiante neste texto se verá que físicos quânticos passaram a admitir a ocorrência, inclusive, de atos criativos por interferência do homem e até mesmo de fatores que transcendem a mente humana.

*1 – Amit Goswami, Ph.D., é professor titular de física quântica do Instituto de Física Teórica da Universidade do Oregon -EUA. É físico nuclear teórico, pioneiro na interpretação idealista da física quântica. Autor dos livros: (1)Quantum Mechanics, (2) Spirituality, a Quantum Integration; (3)Science within Consciousnes; Physics of the Soul: Death an Reincarnation in the Quantum World; (4)Quantum Creativity e livro traduzido para o português: (5) O Universo Auto-Consciente: como a Consciência Cria o Mundo Material. (Ed. Rosa dos Tempos, RJ.,1998). Item 1 da bibliografia (pg. 99)

*2 – Fenômenos como estes são denominados “não locais”, o que significa que ocorreram sem comunicação (conecção material nem eletromagnética) entre as pessoas e ainda não obedece ao limite temporal da velocidade da luz (são instantâneas).

*3 – Foi realizado um experimento no qual inúmeros detectores (contadores geiger) foram espalhados pelas áreas em que o elétron teria probabilidades significativas de surgir como partícula “colapso do elétron”. Revelou que, num dado instante, apenas um detector registra a sua presença e nesse momento a probabilidade de emergir em outro ponto qualquer se anula imediatamente

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