Breve descrição sobre o trabalho que realizamos – Parte 1

(*Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

 
Nosso trabalho baseia-se em algumas premissas que vou expor brevemente. Tenho certa resistência por iniciar enunciando premissas; na verdade, o aprendizado deste trabalho não começa assim.

Nossa abordagem da realidade faz-se de um ângulo intuitivo, sensível, o qual, a seguir, traduzimos para um nível intelectual, racional. Esta tradução é difícil, o resultado tende a ser pobre e ficamos com a convicção de que nesta passagem a essência do conhecimento é perdida. Porém, mesmo assim, tentaremos.

Postulamos que:

O ser humano é um ser energético que recebe, dá e transforma energia, constantemente.

Está imerso em um universo energético, do qual só está separado pela sua pele, uma tênue separação ao nível físico, transpassada pelas diversas energias sem dificuldades, em um e outro sentido.
Sua razão de ser está indissoluvelmente ligada ao universo que o rodeia, e sua posição com relação a ele é de continuidade e não de contigüidade. A falta de consciência desta imersão no cosmos causa a sensação de vazio e solidão em que vivemos.

Esta continuidade ou interpenetração também ocorre de um ser humano para outro, indo até o ponto em que desejos e impulsos de um ser estejam mais relacionados com impulsos e desejos similares de outro do que com necessidades dele mesmo, manifestadas em outros níveis.

Isto leva-nos a outro postulado: o ser humano é uma pluralidade. Não tem uma personalidade, mas muitos personagens justapostos ou contrapostos e um eu central, ou essência, da qual raramente tem conhecimento, já que geralmente está afastado dessa posição central que lhe corresponderia, com o conseqüente descentramento que isto traz.
Poderíamos definir estes personagens como estruturas cristalizadas que, em conjunto, constituem o que chamamos de mecanicidade psíquica ou falsa personalidade. O processo de formação da identidade desenvolve-se tomando como eixo um destes personagens e não o eu central, o que distorce e limita as possibilidades humanas.

Cada personagem manifesta-se por meio de uma plástica. Damos esta denominação a uma atitude, a um modo psicofísico de estar e de relacionar-se, o qual tem a vantagem, para o nosso trabalho, de poder ser detectado simplesmente pelo olhar, pois está gravado no corpo. Cada plástica implica em um modo de respirar, perceber, sentir, pensar, responder, conhecer, etc. Disto depreende-se que há uma grande quantidade de plásticas possíveis, por exemplo: expansiva, confiante, alegre, reflexiva, temerosa, vacilante, retraída, etc.

É freqüente observar-se um indivíduo que se fixou numa plástica correspondente a uma experiência de grande intensidade (de êxito, de aprovação, rebeldia, agressão, medo, etc.), a qual por não poder ou não querer expressar naquele momento, desenvolveu no corpo, em correlação com a experiência não expressa, o que chamamos de trava. Assim, a plástica fixada, em conseqüência, reativa e torna crônicos estados emocionais a ela correlacionados.

A trava localiza-se em determinadas zonas do corpo e podemos vê-la e apalpá-la com as mãos. Na sua raiz, temos: zonas de sobrecarga energética que se manifestam como rigidez, tensão, dor e até alguma enfermidade orgânica; zonas de desvitalização com alterações no tônus muscular, deficiência de irrigação, falta de força, etc. Do ponto de vista da consciência, ficam como zonas não reconhecidas do esquema corporal.

Complementando, assinalaremos também a existência de vários centros, no ser humano, encarregados de organizar funcionalmente a energia operante. Mencionaremos alguns: a) motor ou do movimento, b) sexual, c) vegetativo, d) emocional, e) intelectual. A estes poderíamos adicionar um centro emocional superior e um centro mental superior. Estão situados em diferentes regiões do corpo e, geralmente, verifica-se que a energia não se distribui igualmente entre eles, havendo a preponderância de uns sobre outros. Com freqüência há interferências entre dois ou mais centros, o que perturba a função que lhes corresponde. Por exemplo: a interferência entre os centros intelectual e motor produz esta conversa mecânica, pomposa e sem substância que conhecemos bem, na qual as palavras são mais velozes que o pensamento. Outro exemplo: a interferência dos centros sexual e intelectual, que leva a uma veemência excessiva e à defesa apaixonada de uma idéia, paixão que falta à função sexual quando em uso.


O objetivo deste trabalho é que as pessoas liberem-se das suas travas, possam transitar pelas diferentes plásticas ou personagens, sem ficarem prisioneiras de nenhuma delas, Desta forma, desenvolvem no físico e no psíquico, os diferentes níveis ou centros, para alcançar sua plena integração, para deixar de ser um sujeito (escravo do que, mecanicamente, vai acontecendo) e passar a ser um indivíduo (unificado, não dividido). 

Expressando com as palavras de um dos membros do Rio Abierto, que teve uma abertura de consciência: “Não é: me aconteceu tal coisa … é eu passei por…, as coisas não acontecem, existem. Eu passo pelas coisas, entro e saio, transito. O tempo não passa, eu passo pelo tempo”. Para atingir estes objetivos, utilizamos diferentes instrumentos:

  • Ginástica-harmônica
  • Massagem
  • Dramatização
  • Trabalho com a voz
  • Plástica
  • Trabalho sobre si – dinâmica grupal
  • Meditação
  • Trabalhos manuais diversos
  • Convivência em contato com a Natureza
  • Hiperventilação

Passaremos a descrever, sucintamente, este instrumental:

1. Ginástica-Harmônica

É expressiva, respiratória. Trabalhamos em grupos mistos, utilizando música e técnicas de relaxamento. O grupo é dirigido por um instrutor que vai fazendo movimentos, imitados pelos participantes, organizados em círculo. 

1.1. É imitativa, por que esta é uma maneira da aprendizagem do movimento realizar-se por meio do centro motor e não do centro intelectual, como é costume na nossa cultura. Há nisto, também, um entregar-se à plástica do outro, que produz um relaxamento interior muito grande e uma centralização da atenção. Em outros momentos fazemos uma interpretação livre da música e, em turmas mais avançadas, os próprios alunos dirigem o grupo, passando desta forma por três experiências básicas complementares: a de conduzir, a de ser conduzido e a de nem conduzir nem ser conduzido. 

1.2. É expressiva, por que consideramos que muitas das perturbações humanas têm sua origem na não expressão, ou na expressão parcial, de estados emocionais. Temos comprovado que desenvolvendo, com todo o corpo e toda a voz, aquela expressão que deu origem à fixação ou trava, pode-se descarregar a tensão acumulada e eliminar a fixação. 

1.3. É respiratória, por que a respiração é a única função orgânica sobre a qual qualquer um tem acesso voluntário. Qualquer um, sem nenhum treinamento, pode acelerar, diminuir, deter por um momento o ritmo respiratório. Desta maneira, é uma via de conexão direta com nosso mundo orgânico, permitindo o conhecimento de regiões inexploradas em nós, porque o ar é um alimento para o ser humano e é importante que se possa determinar a quantidade e a qualidade que convém inalar a cada momento.  Mencionaremos alguns tipos de respiração: a clássica (baixa, intercostal e alta), conforme as zonas em que, predominantemente, localiza-se o ar; aquela relacionada à forma como se conduz o ar através das fossas nasais, que pode ser vital, emocional ou mental; e, finalmente, vale registrar que há um tipo de respiração para cada plástica, porque conforme respiro eu sou. 

Com relação a isto é oportuno citar uma experiência, relatada por quem a viveu: “Faz aproximadamente 3 anos, logo após o falecimento de minha avó paterna, com a qual tinha uma relação afetiva muito especial, chamaram-me até sua casa, onde meu avô vivia só. Era a primeira vez que ia até lá, após o ocorrido. Tinha muito medo de enfrentar a situação e estava, verdadeiramente, angustiada. Durante o período da tarde tinha ido trabalhar no Rio Abierto e, na saída de um grupo, tive a oportunidade de conversar alguns minutos com Maria Adela, de contar-lhe o que estava se passando comigo. Ela me disse algo, aparentemente, muito simples, porém de suma importância, tanto naquela oportunidade como em outras. Disse para não me esquecer de respirar e que me lembrasse disso antes de entrar na casa.
Naquele momento tive consciência da postura física que havia adotado e com a qual, sem dúvida, haveria enfrentado a situação. Vi que não respirava, como se o medo me tivesse deixado sem alento. Em conseqüência, estava completamente oprimida na região do plexo solar e do esterno. Fiz o que ela me aconselhou e, apesar de evidentemente o episódio me provocar profunda tristeza, por tudo que este momento e este lugar significavam para mim, a tristeza não chegou a se converter na angústia terrível e esmagadora que havia começado a insinuar-se. A mudança da respiração provocou uma mudança psicofísica, alteração que experimento em muitas outras ocasiões. Como se em um primeiro momento o medo me cortasse a respiração, o que provoca um estado em que estou, mas não estou; vejo porém não posso olhar; não posso ir dos olhos para fora; é como se me deixasse ficar em um plano posterior, atrás de mim mesma. Ao mesmo tempo, é como se a situação me invadisse e passasse a não haver lugar para outro sentimento ou sensação que aquele provocado pela situação. O respirar de determinada maneira, me faz seguir adiante. É como uma alteração de plano, é sair fora, é tomar uma distância ótima em relação ao que ocorre. Posso participar de uma forma mais integrada de qualquer situação e manejá-la de maneira a não ser, desnecessariamente, prejudicada. 

1.4. É de relaxamento, para que aprendamos a nos relaxar não só em repouso, mas na ação. Passar, rapidamente, de uma expressão para outra, de uma atitude para a atitude oposta – por exemplo, da raiva para afetuosidade -, requer um grau de relaxamento e ajuda a desmecanizar. Não há possibilidade de uma mudança verdadeira se, previamente, não houve relaxamento. Certas formas de respiração, acompanhadas de um relaxamento profundo, conduzem a níveis de consciência de enorme clareza e profundidade, que habitualmente não experimentamos, e permitem uma nova visão da realidade, de maior amplitude. Ligado a isto, citaremos as palavras de uma pessoa que assim se descreve: “Homem, de 49 anos, cultura geral mediana, curso universitário incompleto, ex-empresário, 14 anos de terapia: análises individuais (uma muito ortodoxa, outra nem tanto), psicodrama e experiências de maratona e laboratório. Após 3 anos de ginástica no Rio Abierto, passei por esta experiência: ao final de uma aula de ginástica, durante a meditação, pela primeira vez sinto-me relaxar de verdade e percebo ( com os olhos fechados) que estou me fundindo em algo luminoso (sinto como um mar no qual estou submerso), quente e que me enche de paz. Sinto, neste momento, que estou unido ao resto do Universo, que faço parte dele e isto me dá muita tranqüilidade, muita paz. Depois, analiso o que senti e fica claro que o que percebi é minha unidade energética com o todo, uma idéia clara de ser “parte e todo” ao mesmo tempo, o que dá sentido a minha existência, me livra do medo da morte, “explica” a nível de percepção física, a continuidade “disto” que neste momento sou Eu. Prolonga minha existência para o passado e para o futuro ou, talvez, apaga o passado e o futuro ; tudo é uma estrela luminosa. O que devo sublinhar é que tudo que experimento tem lugar no corpo e não na mente (mais precisamente, não se apresenta sob a forma de pensamento, e sim uma “sensação” que invade todo o corpo).

Passaram-se alguns anos do relatado, e não voltei a experimentá-lo. Não obstante, creio que ficou em mim uma lembrança, algo que criou raízes e ficou aí, produzindo, nos momentos em que posso “parar a máquina”, uma estranha sensação de segurança frente a angústia existencial. Me ocorre que esta experiência parecerá, a muitos, mística, de inspiração religiosa. Deixo claro que até aquele momento (o da experiência) era um ateu empedernido, um racionalista. A partir dela, não necessito negar a existência de Deus. Ou seja, cheguei ao sentimento religioso … por outro caminho.”



1.5. Trabalhamos com música, porque ela é um elemento de riqueza extraordinária, que permite entrar em contato com a mais ampla gama da expressão humana:
- porque ajuda a conseguir a continuidade no movimento, que é um fator de equilíbrio para a psique;
- porque os diferentes ritmos musicais, especialmente os folclóricos, ativam reflexos que estão, normalmente, em estado latente ou deteriorados.
Os reflexos são respostas motrizes imediatas, independentes da mente, que se encontram inibidas pelo tipo de educação que recebemos. Sua ativação produz alegria e liberação de grande quantidade de energias, que podem assim retornar ao circuito geral, porque contribui para mobilizar plásticas estereotipadas e enriquecer o repertório das plásticas possíveis.

1.6. Geralmente é realizada em grupos mistos, porque a polaridade masculino/feminino produz maior mobilização energética do que um grupo composto de um único sexo. Todavia, também há grupos que não são mistos e que são úteis para trabalhos específicos de movimento.

1.7. Trabalhamos em círculo porque é uma forma de todos poderem se ver, por que ajuda uma boa circulação energética entre os participantes e, também, porque diferentes movimentações do círculo completo – concentrando-se, expandindo-se, girando, etc. – geram um maior potencial energético e de integração entre os participantes, o que faz com que cada um saia renovado e revitalizado. Temos reparado que determinadas formas geométricas favorecem uma melhor elaboração e transformação das energias em jogo.

Breve descrição sobre o trabalho que realizamos – Parte 2

* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

2. Massagens

São indicadas para ajudar a destravar zonas que uma pessoa não consegue, por si mesmo, mobilizar ou destravar na ginástica-harmônica (também são feitas por indicação médica, para melhoria de problemas orgânicos ou posturais).  São aplicadas, geralmente, por um ou mais instrutores, que se utilizam das mãos, pés, cotovelos, etc., porém sempre usando o corpo com um balanço que ajuda a gerar e descarregar energia. São utilizados, enquanto se massageia, certos ritmos respiratórios; às vezes, respirando, massagista e massageado, no mesmo ritmo, pois isto ajuda a aumentar a concentração e a unificar a intenção de quem dá e de quem recebe a massagem. Também fazemos uso da voz, emitindo sons relacionados com a zona que se está manipulando e, quem recebe a massagem é estimulado a se expressar pela voz, gestos, palavras ou movimentos.  Suas principais funções são:  

2.1. Relaxante

2.2. Circulatória do sangue e da energia, uma vez que esta tende a fluir das regiões de menor para as de maior carga, de maneira que as regiões travadas ou couraças musculares tendem a concentrar cada vez mais energia e precisamos ajudar a pessoa a mudar este círculo vicioso. É interessante, nesta altura, inserir o relato de uma experiência, feito nos seguintes termos:  ” Sofri durante muitos anos de enxaqueca, com duração de até 15 dias. Tinha algum alívio com massagens e exercícios físicos, porém não conseguia o desaparecimento total dos efeitos da enxaqueca. Certo dia, sentindo muita dor, fui ao Instituto como de costume. Sofria dores do occipital até a parte superior da cabeça, afetando os seios da face e a cavidade dos olhos. A dor chegava até a garganta. Generalizada desta forma, me produzia náuseas e mal estar insuportáveis. Maria Adela sentou-me em uma mesa de massagem e tratou de relaxar-me ao máximo; quando considerou que estava em condições de atuar aplicou com a borda da mão (tipo karatê) um golpe na altura dos olhos que “valha-me Deus”. Reagi de imediato e violentamente, dado que a dor foi terrível e de surpresa; nesse instante a dor espantosa despertou em mim uma violenta reação, com um instinto assassino e ódio indescritíveis. Para terminar, depois de transcorridos aproximadamente 2 anos, tenho a satisfação de confessar que a enfermidade nunca mais se repetiu.”  

Outras funções da massagem são: 

2.3. Corretiva postural, já que o nosso trabalho tem como uma de suas finalidades ajudar o ser humano a colocar-se de pé com toda sua verticalidade, para que possa realizar-se nele a síntese dos dois tipos de energia que o sustentam: a que vem da terra e a que vem do sol. Para tanto, trabalhamos, fundamentalmente, as articulações. 

2.4. Conscientizadora: a massagem contribui muito para a tomada de consciência de zonas não reconhecidas do próprio corpo e, também, de fatos passados que têm relação com a formação das travas e que vêem a lembrança (com todo conteúdo emocional que possuíam) no momento que se está manipulando a região correspondente no corpo. A experiência a seguir, pode ser explicativa do que dissemos: “Um dia recebi uma massagem grupal que remexeu coisas da minha infância. Eu estava deitada na mesa de massagem e Diana, que aplicava a massagem, separava o peitoral maior dos deltóides, na região da clavícula. Dentro de mim começou uma revolução entre minhas distintas partes, que conversavam assim:

– Bem, o que se propõe Diana a fazer comigo?

– Eu tenho razões para estar assim (“assim”, era que, por ter os músculos curtos, o braço ia para dentro, ocupando o lugar do peito). Imediatamente, veio a imagem de meu pai que me chamava de “mula” quando era pequena. Nesse momento enfrentei a “mula” e recordei porque me vinha esta imagem. Meu pai queria que eu preparasse o café de manhã e eu não tinha vontade; como sua autoridade era forte, finalmente o fazia, mas com uma “mula” interna que me acompanhava quase que permanentemente. A seguir, me atacou uma tosse profunda que parecia desenraizar, fisicamente, o que acabara de ocorrer psicologicamente; levantei-me e fui a pia cuspir. Ao voltar, Diana se pôs em meu caminho. Isto me molestava. Mas não era com ela com quem eu queria brigar. Era com meu pai.  Então se aproximou Jorge e se fez passar por meu pai e sucedeu o seguinte diálogo:

– Faça o café.

– Não quero, por acaso os meninos não podem fazê-lo?

– Você é a mulher da casa.
– Por que eu? Faça você.

– Eu trabalho o dia todo.

– E eu estudo.

– Você estuda para você.

– E quem quis que eu estudasse?

O diálogo teria sido interminável, porque Jorge prontamente exclamou:

– Como é que eu faço se você não é uma “mula”!

Isso me fez parar e passar por um instante para o lugar dele. Quem sabe, ele poderia comunicar-se comigo somente até aí, até a mula. E de imediato compreendi, e abraçada a Irene dizia:

– Papai….. papai….. eu quero o meu papai.”

Outra função da massagem pode ser: 

2.5. De reconexão consigo mesmo e com o meio circundante. Às vezes, por um trauma psíquico, a pessoa fecha seus circuitos energéticos, guardando sua sensibilidade lá no fundo, ficando ilhada de si mesmo e do que a rodeia. Nestes casos são utilizadas certas manobras para trazer o indivíduo ao seu centro.

3. Dramatização 

É outra das técnicas utilizadas em nosso trabalho e que se provou muito útil quando a verbalização é necessária, e quando se requer uma linha argumentativa (verdadeira ou fictícia) para o desenvolvimento e elaboração adequados de um personagem. É usada separada, ou combinadamente, com alguns dos outros instrumentos analisados. Por exemplo: em um grupo de ginástica harmônica; em continuação da massagem (como um dos casos relatados), etc.

Utilizamos, também, o trabalho que denominamos de pares de opostos, ou seja desenvolver a postura e a fala correspondentes à generosidade e, a seguir, ir para à mesquinhez; a bondade e a maldade; o brando e o rígido; o conservador e o inovador, etc. Também a conversa entre os diferentes personagens de uma pessoa e muitas outras técnicas que não detalharei, uma vez que as técnicas dramáticas são bastante conhecidas no nosso meio. Mencionarei, somente, a técnica “quem sou eu”, porque considero que ajuda a alcançar zonas mais profundas. Deve ser aplicada em um estado de profundo relaxamento do indivíduo, do grupo que o rodeia e do coordenador, do qual é requerido conhecer a experiência por ter passado por ela, para poder acompanhar a viagem interior que acontece e ajudar, se necessário, na exteriorização que a própria pessoa não consiga realizar.

4. Trabalho com a voz

Voz é comunicação, é intercâmbio entre o mundo interno e o externo. Desarticulada é expressão, articulada é palavra. Qualquer inibição e/ou interferência no canal de comunicação manifesta-se na voz, nos órgãos e nos músculos que tomam parte da emissão sonora: aparelho respiratório, pescoço, garganta e rosto. A trava vocal é trabalhada a partir do corporal e do psíquico. A partir do corporal, corrigindo a postura e a respiração, mobilizando e relaxando a musculatura do pescoço e do rosto; a partir do psíquico, liberando as comportas que controlam o livre fluir das emoções. Gritar, grunhir, balbuciar, gemer, uivar, inclusive cantar são formas de expressão proibidas para a maioria das pessoas, uma vez que só são aceitos, culturalmente, os tons médios, sem estridência (“nenê, não grite”, “não fale tão alto”, “vai cantar no chuveiro”, etc.). A emissão destes “ruídos” desperta, atualiza e libera conteúdos psíquicos inibidos, permitindo uma profunda transformação energética:

grito canto

som

ruído palavra


com a qual se alcança uma completa descarga, transformação e reincorporação de energia. 

5. Plástica

Um grande número de pessoas sente-se inibida em mergulhar no mundo da arte, impedindo o enriquecimento da sensibilidade e sua aplicação em suas ocupações. Todavia, o processo de liberação artística é um meio de auto-expressão. O encontro com e a viabilização da auto expressão, liberam energia e facilitam nosso desenvolvimento e crescimento futuro. Cada área de nossa vida pode-se converter em um meio para o crescimento. A busca artística está orientada para investigar o caminho que vai da experimentação essencial-corporal-dramática, até a criação de um fato artístico. Pintar, modelar, martelar, recortar diversos materiais, texturas, cores, odores, com possibilidades de expressão que possam ser registradas em um papel, na argila, madeira, permitem à pessoa recordar-se e ver-se objetivamente, elaborando e melhorando seu mundo interior. 

6. O trabalho sobre si – dinâmica grupal

Denominamos “Trabalho sobre Si” o trabalho que tem por objetivo fundamental o reencontro de um ser com seu Eu – profundo, ou Eu – essencial. Para um melhor desenvolvimento em direção a este objetivo atuamos em três áreas, cujas interrelações facilitam a vivência integral do indivíduo. Estas áreas são: física, psíquica e espiritual. Partimos do corpo e, por meio da ginástica-harmônica, propomos o contato com áreas desconhecidas da nossa personalidade, a expressão e a conscientização das travas físicas e suas equivalentes psíquicas-emocionais, a liberação e elaboração da energia retida em zonas de conflito que provocam dor, tensão e até enfermidade.
Em outro nível, os exercícios baseados na yoga – como respiração, relaxamento, movimentos à partir dos centros de energia, meditação e outras técnicas – permitem-nos o reencontro com a nossa dimensão interior mais profunda. O trabalho sobre si é voltado para o desenvolvimento harmônico do ser humano e é a base tanto dos grupos gerais como dos grupos fechados e dos atendimentos individuais, adaptando-se aos níveis e necessidades dos grupos ou pessoas que participam de cada atividade. 

7. Meditação 


O que, habitualmente, conhecemos como meditação é a prática de diferentes técnicas que têm por objetivo o reencontro do ser humano com seu Eu – Profundo. Dito de outra maneira: o ego liberto na essência. Contudo, é necessário distinguir entre as “técnicas” e a “meditação”. 

A meditação não é um “chegar a”, mas sim uma “atitude”, uma “postura interior”, uma “modalidade de ser”. Esta “atitude” transforma tudo o que alcança, fazendo da vida cotidiana uma “celebração da existência”.

O objetivo então não é meditar, mas desenvolver a Presença, estar no mundo sabendo que Eu Sou e Sou uma manifestação do Ser Universal. Cremos que cada técnica abre uma porta e que é na prática que cada pessoa encontra o melhor caminho para si mesmo. 

A prática da meditação possibilita também:

– a profunda relação psicofísica,
– maior equilíbrio emocional,
– maior capacidade de concentração,
– maior receptividade, 
– compreensão mais profunda e abrangente de situações de conflito,
– uso positivo da energia, 
– acesso a outros níveis de consciência 

8. Diversos trabalhos manuais 

O que foi descrito quanto à plástica pode estender-se a este item, incorporando às tarefas plásticas-expressivas, aquelas que implicam numa mudança de papel na sociedade, por exemplo: tarefas de alvenaria, carpintaria; trabalhos com a terra; etc. 

9. Convivências em contato com a natureza

Estas jornadas podem durar de um a sete dias e são realizadas fora da cidade e/ou na Cordilheira [dos Andes]. Nossos principais objetivos são: 

– aprofundar as relações interpessoais de um grupo ou de uma classe,
– vivificar relações espaço-corpo, distintas daquelas que se vive nas cidades; 
– reconhecer a posição do ser humano no planeta e no cosmos, etc. 

Temos percebido que estas jornadas ajudam a desbloquear os aspectos mecânicos da personalidade e, em conseqüência, as raízes essenciais do indivíduo buscam sua manifestação.
 
10. Hiperventilação

Nós, seres humanos, percebemos a realidade e organizamos uma visão cósmica a partir de um determinado ponto de vista, o qual privilegiamos. 

A partir daí, aprendemos a responder a essa realidade, sem nos darmos conta que essa visão cósmica, a partir da qual operamos, é tão somente um ponto de vista. Esse erro de percepção faz com que nos identifiquemos com alguns aspectos da nossa personalidade e neguemos outros, com o conseqüente empobrecimento da nossa capacidade de resposta e de nosso potencial criativo. Ainda assim o ser humano escolhe (tem) padrões de conduta, voluntária e inconscientemente, que tende a repetir, sem atentar para as mudanças das circunstâncias que o rodeiam. Estes padrões repetitivos são denominados mecanicismos. 

Na Hiperventilação, pela manutenção de um padrão de respiração modificado em relação ao natural, é produzida um alteração do ponto de vista (padrão de percepção) com que nos identificamos, para focar a atenção desde o Eu-Respirador-Contemplador. Desta maneira, revivenciamos, catarticamente, diversas situações, tanto da biografia pessoal, como de níveis mais amplos do Ser, com a intenção de perceber o processo vital, antes mesmo de identificar-nos com um “projeto de vida”, concebido a partir de um estado de ânimo cristalizado. 

A experiência da hiperventilação é uma Unidade de tempo e espaço, onde deixamos de cuidar do que “está fora” e, para tanto, usamos como catalisadores a respiração e sua mudança de padrão, músicas evocativas e a energia grupal. 

Com que tipo de pessoas trabalhamos

Freqüentam o Rio Abierto todos os tipos de pessoas, com objetivos os mais diversos. Há os que procuram emagrecimento ou modelagem do corpo, mover-se, agilizar-se, expressar-se; os que vêem por problemas respiratórios, posturais, etc. e outros cuja finalidade é uma busca mais profunda. 

Estes últimos passam a participar de grupos de trabalho intensivo, nos quais se aplicam as técnicas anteriormente descritas, além de outros elementos: tarefas de alvenaria, trabalho com a terra ou similares, que ajudam a desfazer mecanicismos ou condicionamentos sociais, há muito arraigados nos indivíduos. São organizadas, também, atividades de convivência grupal, que são muito enriquecedoras e contribuem para criar vínculos muito estreitos entre os participantes.

Um dos lemas, tanto nestes grupos como no grupo de instrutores, é “ajudar, ajudando-se”, porque pudemos comprovar que isto produz uma transitividade nos trabalhos, uma projeção em relação ao outro daquilo que faço muito benéfica para superar as próprias limitações. Também vai desenvolvendo os níveis do ser humano, mencionados como centro emocional superior e centro mental superior, que são aqueles encarregados de aproximar-nos da verdadeira percepção da unidade, que está além do nível pessoal e só é percebida como uma conjunção com o todo.

Faltaram ser comentados vários aspectos do nosso trabalho, como por exemplo: que ele está enraizado, desde seu início, nos autóctones americanos, uma força à qual nos sentimos estreitamente unidos; que ele baseia-se em alguns princípios de yoga e de outras disciplinas orientais e, também, em elementos da cultura grega, tais como as plásticas apolínea e dionisíaca, às quais se acrescenta a orientalista (sobre estas, para não estender demasiadamente este texto, deixo de fazer quaisquer descrições). 

O nosso sistema, parece-me útil registrar, é sem esquemas fixos, uma vez que valorizamos especialmente a mobilidade, a não fixação; desta maneira, quem dirige o grupo de ginástica-harmônica ou outra atividade, escolhe livremente os exercícios ou manipulações que irá realizar, de acordo com sua percepção e a daqueles para quem a prática se orienta.

Com isto, dou por encerradas estas notas, escritas com a colaboração de pessoas que participam do Rio Abierto, e que trouxeram, também, breves descrições de suas experiências pessoais. 

Etapas do trabalho? Parte 1

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

Primeira Etapa (nutrícia)

Nesta primeira etapa, que poderíamos caracterizar como a fase nutrícia, o indivíduo coloca-se, fundamentalmente, como alguém que recebe. Deve colocar-se como uma criança. Deve seguir o instrutor, imitá-lo como se estivesse ligado a ele por fios invisíveis. Deve fundir sua vontade com a do instrutor.


Queremos que o indivíduo perceba que não é obrigado a imitar com perfeição, mas que relaxe e deixe-se levar, suavemente, pelo instrutor; o qual, nesta etapa, exerce o papel de pai, ou mãe, que leva a criança pela mão, que a guia.


O instrutor é alguém que “dá”, não julga, não reprime, não castiga. Desta maneira, buscamos reparar um rompimento que ocorreu no indivíduo em uma idade muito tenra, com o nascimento da falsa personalidade.
Este rompimento aconteceu da seguinte forma, ao nosso modo de ver: a criança nasce como essência, ou como Eu-real. Este Eu para poder expressar-se no mundo, para poder ter uma existência social, reveste-se de uma série de qualidades, de maneiras de ser que formam, em seu conjunto, o que podemos chamar de personalidade. Há uma pequena quantidade de qualidades que se incorporam ao ser tão logo se dá a encarnação e que formarão o eu-profundo da criança como a força ou energia vital, a inteligência, o instinto de conservação e o amor. Destas qualidades derivam aquelas que vão formar a personalidade.
Estas qualidades manifestam-se através de dois polos, opostos e complementares entre si. Deste modo (como consta do esquema), em cada ser humano encontra-se, potencialmente, uma quantidade de qualidades e seus opostos:

Este esquema tem a ver com uma personalidade equilibrada, centrada, onde cada modo de ser (o que chamamos, às vezes, personagem) está eqüidistante do centro, que assinala o Eu-profundo, ou essência.


Porém, algumas dessas qualidades são, de imediato, desconsideradas e têm sua manifestação impedida, em parte pelo tipo de sociedade em que vivemos e pela educação que recebemos, rompendo-se, desta forma, o equilíbrio energético interno do indivíduo e o jogo de forças bipolares que trazem, como resultado, o surgimento da 3ª força, a equilibrante ou neutralizadora. Disto decorre que, por exemplo, a criança é ensinada a ser generosa, aplaudida quando procede dessa maneira e recriminada em caso contrário. Assim, pouco a pouco, ela tentará, por todos os meios, identificar-se com a imagem, tão elogiada, de generosidade (este é o nascimento de um personagem) e, em contra partida, ocultar, a todo custo, qualquer impulso egoísta que possa aparecer. À medida que uma maneira de ser ou personagem vai-se cristalizando, a pessoa aprende a reconhecer-se nele e, inclusive, sente que os outros a reconhecem através dessa imagem, a qual trata de levar ao mundo e, portanto, se reconhece menos através de seu Eu-profundo. 


Vemos, claramente, que o centro de gravidade do indivíduo desloca-se do seu Eu-profundo para um Eu-periférico e parcial, o qual não pode conter, de maneira nenhuma, toda sua realidade. Nesta passagem, neste deslocamento do centro de gravidade, não são perdidas somente as possibilidades da qualidade oposta, perde-se muito mais, tanto que é difícil refletir esta situação em palavras. Na verdade, o que se perde é a possibilidade de contato com a realidade.


Ao redor deste novo eixo é constituída toda uma nova personalidade, com diversas qualidades. Isto é o que chamamos de falsa personalidade ou personalidade não-centrada. Com isto não queremos referir-nos a nenhuma entidade psicopatólogica em particular, uma vez que acreditamos que, muito esquematicamente, este é um processo pelo qual, em geral, passam todos os seres humanos, pelo menos os que vivem neste nosso tipo de sociedade.


Gostaria de adicionar que, curiosamente, esta tentativa de anular uma série de aspectos de si mesmo obedece a uma razão mais profunda que talvez tenha pouco a ver com razões sociais ou educacionais. Creio que, no fundo, obedece a um sentido de unidade, que está em todos nós, e à busca do reencontro desta unidade: indivíduo = indiviso. Parece que nesta busca, temos um plano equivocado: é como se quiséssemos resgatar o sentido de unidade que há em uma semente, quando ela já se transformou em árvore, cresceu, criou raízes, tronco, ramos, folhas e flores; como se quiséssemos recuperar o sentido de unidade, porém em um ramo ou em uma folha.


O que chamamos, em nosso trabalho, desenvolvimento centrífugo é aquilo que está destinado a preencher os vazios; os espaços que surgiram no processo de desenvolvimento; a curar feridas, se por acaso ocorreram, que romperam um ramo ou impediram a fixação de uma raiz, para que a transformação da semente em árvore possa passar por todas as suas fases.


Falta, agora, a 2ª fase: a tomada de consciência de nossa unidade dentro dessa multiplicidade de qualidades ou maneiras de ser a que nos referimos. Com este intuito, desenvolvemos outra tarefa, que chamamos de desenvolvimento centrípeto que explicaremos adiante.


RECUPERAÇÃO DA LIBERDADE DO MOVIMENTO

Retomando o tema do desenvolvimento centrífugo nesta primeira etapa do trabalho, tenho que registrar outro aspecto importante: buscamos que o movimento surja do centro motor ou centro do movimento. O que queremos dizer com isto?


Trata-se de recuperar graus de liberdade do movimento perdidos, em boa parte, pelo tipo de vida que levamos especialmente nas grandes cidades e pelo tipo de educação por nós recebida, que tende a ser restritiva quanto as mais vitais manifestações de uma criança, como: correr, saltar, trepar, gritar, espernear, balançar, coisas impossíveis nas moradias atuais (em geral pequenos apartamentos). Esta falta de liberdade, por si só, vai desenvolvendo travas na criança que impedem um crescimento harmônico; há articulações não utilizadas, músculos que não se desenvolvem o quanto seria necessário e ossos que, ao não serem tracionados por estes músculos, tão pouco adquirem o comprimento e resistência necessárias. Tudo isto junto gera uma redução da confiança no próprio corpo e uma sensação de impotência difícil de ser superada. Apesar disto, muitas vezes, trata-se de compensar a criança com estímulos a sua fantasia ou inteligência pelos diversos meios disponíveis atualmente.


Voltando ao centro motor, convém deixar claro que, quando falamos em liberar-se dos próprios condicionamentos através de um ritmo, nos referimos não só a movimentos como a dança, mas também a trabalhos manuais, o uso da voz, a mímica, a expressão verbal e, inclusive, a massagem aplicada de maneira ritmada.


Temos comprovado que a expressão verbal, com uma dinâmica diferente da habitual, faz aflorar, muito rapidamente, conteúdos inconscientes reprimidos e que o mesmo ocorre com outros tipos de trabalhos já mencionados.


Desta forma, conseguimos que, ao ser recuperado o funcionamento natural do reflexo muscular, se possibilite a liberação do que poderíamos chamar expressões reflexas , que são expressões mímicas, vocais e posturais primárias, diretas, relacionadas com zonas arcaicas do psiquismo. Uma vez que estas expressões emocionais comecem a fluir, está aberto o caminho para o pleno desenvolvimento da vida emocional e, pouco a pouco, podem ser descobertos novos ritmos, próprios do centro emocional, às vezes completamente desconhecidos. Refiro-me a ritmos internos do sentir e também ritmos de comunicação emocional com o meio, ritmos que exteriorizam o sentir.
Tendo sido dados os passos anteriores – liberação dos reflexos musculares e das expressões correspondentes – o centro intelectual está em condições de recuperar, para suas funções específicas, uma grande quantidade de energia que estava comprometida: de um lado, mantendo a repressão citada e, de outro, tentando superar carências, inventando todo tipo de subterfúgios e racionalizações.


A função criativa da mente, em especial, é a que fica mais bloqueada por estas interferências de centro e, diariamente, comprovamos que durante algum trabalho rítmico, surgem idéias ou soluções verdadeiramente criativas, com o que o centro intelectual vai adquirindo novas formas de funcionamento, vai inaugurando novos circuitos neuronais, vai encontrando outras dimensões que o colocam, de maneira cabal, na função que lhe corresponde.
É interessante, também, poder descobrir os ritmos próprios do centro intelectual e, desta maneira, facilitar o diálogo entre as diferentes inteligências que mencionamos. Quando cada instância ou centro tiver recuperado aquele ritmo que lhe é próprio, é possível que se produzam menos conflitos.


Creio que esta recuperação da liberdade e da confiança no próprio corpo, que é uma base muito importante para o sentimento de confiança em si mesmo e na vida, só pode ocorrer com um incremento do movimento, ajudado por ritmos de grande potência, de maneira que se alcance uma intensidade energética superior àquela em que se formou a trava. Este ponto oferece uma oportunidade de quebra do condicionamento que se formou na infância e que descrevemos como uma interferência do centro intelectual nos centros motor e emocional. Referimo-nos àquela parte do centro intelectual em que está gravado o “não” paterno ao movimento espontâneo da criança, internalizado como “não devo” ou como uma sensação de perigo que permanece atuando sobre o movimento, especialmente os reflexos.

Etapas do trabalho? Parte 2

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

Sustentamos a idéia que todo movimento começa, ou deveria começar, com um movimento reflexo. Quando temos um movimento pequeno, o reflexo pode atuar sozinho, quando o movimento é mais amplo a respiração colabora para expandí-lo, como continuidade do pequeno movimento reflexo inicial. Isto, aparentemente, seria o movimento natural. Estes movimentos, em boa parte, perderam-se, porque alguns reflexos ficaram inibidos, especialmente os daqueles que respondem a uma idéia ou propósito. É mais fácil que se mantenham ativos os reflexos ligados, mais diretamente, ao instinto de conservação, como a retirada, rápida e automática, da mão, ao tocar algo muito quente. Em contrapartida, quando se trata do reflexo que inicia o ato de caminhar, vejamos o que, por exemplo, pode acontecer: quero ir até o outro quarteirão para encontrar-me com alguém com quem vou realizar um trabalho, porém esta pessoa tem um tom de voz que faz lembrar meu pai em seus momentos de raiva. Isto produz um “não”, possivelmente a nível inconsciente, que levará a uma inibição do reflexo de caminhar, com a seguinte seqüela: para me dirigir aonde quero ir, vou ter que fazer uso de uma força muito maior que a necessária para um caminhar natural e, portanto, vou fazer uma quantidade de contrações que consomem um quantum de energia, que estou tirando de outros aspectos de mim mesma.


Neste sentido, tratamos de resgatar os reflexos que foram inibidos, pelo uso especialmente de movimentos rítmicos que, por sua insistência, chegam a romper os limites do próprio eu e também da imagem de si que cada um tem, incluindo a do esquema corporal.


É interessante que isto seja visto à luz da fisiologia, pois penso que a imagem de si e o esquema corporal estão muito relacionados com as vias nervosas ou os circuitos reverberantes preponderantes em cada um, quais sejam: “formas de fazer” aprendidas, esquemas de movimento gravados a nível neuronal como respostas sensíveis ou emocionais 
ou, aparentemente, mentais que são verdadeiros reflexos condicionados, a partir de marcas gravadas em nossa memória, deixadas por nossas primeiras ações, sensações, etc. Estes reflexos condicionados são verdadeiras prisões para o ser vivente que inibem a possibilidade eminentemente humana de escolha. Se não posso escolher, não sou livre e nem posso, tão pouco, responsabilizar-me por minhas ações, pensamentos, sentimentos. Todavia, ser um ser humano implica em tudo isto.


Contudo, a inibição dos reflexos, como é sabido, produz-se ao nível cortical. Vivemos em um tipo de civilização que valoriza muito este nível e, consequentemente, desvaloriza todos os sub-corticais, onde residem outras inteligências, como as dos centros emocional, vital, motor ou instintivo.


Consideramos que estas inteligências têm que conectar-se entre si para alcançar uma integração real. Tem que haver um diálogo entre elas e, para isso é necessário uma “deshierarquização” da inteligência intelectual em relação às outras.


Pela nossa experiência, parece que certas situações rítmicas produzem algo similar a seccionar o talo cerebral abaixo do cortex, evidentemente sem as conseqüências nefastas que isto pudesse acarretar. Pode ser produzida a excitação da zona facilitante bulbo-reticular e, como conseqüência, o movimento ser realizado pela simples liberação da grande quantidade de energia retida e com muita economia de energia nervosa. Com isto, novos circuitos vão sendo inaugurados e colocando em funcionamento neurônios que não estavam em uso. Isto, devido ao fato de que, nos grupos, estão sendo propostas continuamente novas formas de movimento, novas expressões, etc.

TERAPIA OU DESENVOLVIMENTO? ENFERMIDADE OU CRESCIMENTO?

Como é sabido, só 10% dos neurônios do cérebro estão em uso. Isto dá idéia da necessidade que temos de atividades que possam levar-nos a um desenvolvimento mais pleno; dá idéia também , de que numerosas abordagens do ser humano, que se consideram terapias, deveriam ser consideradas, talvez, simples ferramentas para o desenvolvimento humano. Pois não é de estranhar que um ser, que está funcionando com 10% de seu potencial, tenha desequilíbrios. Creio que estes desequilíbrios são indicativos de um ser em desenvolvimento, uma vez que o desenvolvimento não se faz de forma equilibrada, constante. Isto já foi bem estudado em relação à psicologia da adolescência, até o ponto de alguns autores considerarem certos desequilíbrios como traços normais deste período de vida. Por que não estender este benefício ao resto dos seres humanos? Por que considerar como enfermidade algo que pode ser um simples problema de crescimento? Foi aceito que quando cessa o crescimento do corpo humano, cessa o crescimento do ser humano. Creio que esta suposição é falsa e que dela derivam muitos equívocos que estão estragando a nossa sociedade atual. Se há 90% de massa cinzenta não utilizada, por que se considera o coeficiente intelectual de 16 anos como o ponto mais alto da curva de coeficiente intelectual, apesar de ser comprovado que pessoas, que seguiram cultivando-se ao longo dos anos, podem chegar à idade de 70 ou 80 anos e ter coeficiente intelectual igual ou maior do que o dos jovens de 16 anos? Não quero seguir relacionando argumentos, mas resgatar a idéia de que o ser humano tem possibilidades e necessita de um desenvolvimento muito maior do que aquele que lhe é oferecido através dos canais normais de aprendizagem.


Há numerosos exemplos, estudados e comprovados em laboratórios, de pessoas que possuem os assim chamados poderes extrasensoriais; de outros que, intencionalmente, controlam uma série de funções fisiológicas, tradicionalmente consideradas como inconscientes. Não serão estas e outras mais, qualidade que todo ser humano deveria desenvolver?

A MENTE

O problema da mente é que ela está, sempre, cheia de opiniões e, portanto nunca está livre, como é sua verdadeira essência de luz. Carregada de opiniões, vai obscurecendo-se e ficando pesada.


As opiniões são, geralmente, o mundo dos desejos expresso através do intelecto e são uma maneira da mente ficar aprisionada, a serviço da mente instintiva (ou do desejo).


O funcionamento verdadeiro da mente é neutro (refiro-me à mente criadora). Como seria sua inserção no mundo do instinto? A mente, na verdade, tem que ser uma tradutora das mensagens do mundo dos instintos que têm uma carga emocional de medo correspondente à parte mortal do ser humano. Porém, a alma imortal, a cuja esfera pertence a mente criadora, necessita despojar esta mensagem da sua carga emocional, traduzi-la em termos racionais e prover o instrumento adequado para que o instinto alcance seu objetivo.


Nesta tarefa que a mente realiza com relação ao instintivo está implícita a avaliação do grau de necessidade de que se reveste cada objetivo dele. Este envolver-se da mente na consecução dos objetivos instintivos, parece ir acentuando-se à medida que nos distanciamos da natureza, ao ponto da nossa inteligência instintiva não poder contar, no ambiente da sociedade moderna, com os meios para satisfazer suas necessidade, de forma direta. Há a necessidade de um intermediário como se, por exemplo, para satisfazer o desejo de deitar na grama, necessite desenvolver uma série de ações que estão além da possibilidade da mente instintiva: ganhar dinheiro, comprar um sítio, pagar juros, hipotecas, etc.


Tudo isto faz com que nossa mente criadora fique enroscada no mundo instintivo mais do que parece, cuidando, especialmente, para que sejam efetuadas todas as operações necessárias de tradução para o nível mental das necessidades instintivas, e a consequente devolução à parte animal dos meios adequados para atingir seus fins, dado que estes tenham sido compatibilizados com o resto do nosso ser e da realidade que nos rodeia.

É necessário encontrar esta zona neutra, ótima para o funcionamento da mente criadora e tomar consciência da quantidade de horas que ela fica comprometida com o mundo da opinião e do desejo. Às vezes tendemos a crer que a melhor maneira de liberar a mente, o espírito, ou como cada um a denomina, é desvencilhando-se dos desejos e do mundo concreto. Porém, após muitos erros de avaliação quanto a isto, nos demos conta que a liberação é alcançada quando se consegue uma boa tradução, rápida e efetiva, dos desejos e necessidades de nossa parte animal, e a consequente ação nesta direção. Uma vez alcançados os objetivos do instinto, o espírito pode voar sem dificuldades.

O que e fazemos e para que? parte 1

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

– A trava psicológica e sua correlação corporal

- Trabalho sobre as diferentes plásticas

Nos dias 22 e 29 de setembro, de 1982 realizaram-se, no Instituo Rio Abierto duas palestras para praticantes e convidados, sob o título “O que fazemos e para que”. O objetivo era explicar os princípios gerais do nosso trabalho e estava a cargo da diretora da Instituição, psicóloga Maria Adela Palcos.
O encontro começou com 30 minutos de movimento corporal, do qual a maioria da assistência participou, e continuou com os diálogos a seguir:



Maria Adela (M.A.): A meta final de nossa tarefa é o que alguns chamam “autorealização”, outros “integração” e nós, como consta do cartaz que está lá fora, “desenvolvimento harmônico do homem”. Essa é a meta e esse é o caminho. Se bem que um dos nossos princípios básicos seja o de que qualquer trabalho, feito conscientemente, serve para o próprio desenvolvimento e harmonização, temos que ver por que se trabalha de determinada maneira, porque optamos por certas ferramentas (o movimento, a massagem, a dramatização, a meditação, etc.) e não outras. 



Pergunta (P): O movimento é, para vocês, uma ferramenta fundamental?



M.A. – Sim. O movimento é fundamental em nosso trabalho. Porque para nós, habitantes de uma cidade grande, tudo conduz a uma vida sedentária, uma vida muito agitada, porém sedentária, na qual apesar de haver desgastes para o sistema nervoso e para o corpo, os músculos e as articulações não recebem sua cota de movimento. Assim como o estômago requer certo tipo de alimento, o intelecto requer outro, os músculos e articulações requerem movimento. Essa idéia de que “a função faz o órgão” é estritamente verdadeira e no caso dos músculos, eu diria, dramaticamente verdadeira, pois na realidade um músculo não usado durante 2 ou 3 semanas já mostra uma atrofia bastante grande e nós que vivemos na cidade grande, com exceção daqueles que fazem algum exercício especial para compensar a vida sedentária, em geral estamos semi-atrofiados. Semi-atrofiados em comparação com um ser humano que vive junto à natureza e tem que fazer uso de todo seu potencial físico. O tipo de vida que levamos, nos faz usar nosso potencial físico de maneira ínfima.
Por esse motivo, o movimento é um dos elementos fundamentais de nossa atividade. 



P. – E a massagem? Por quê? 



M.A. – Por várias razões, uma delas é que em nossa civilização e na grande cidade o ser humano, em geral, esta muito só. Vivemos rodeados de muita gente, porém há um alto nível de solidão – mostre-me alguém que não esteja carente de afeto e eu ergo uma estátua – e a massagem traz uma proximidade entre as pessoas, é um contato muito direto. O massagista sente, especialmente nas pessoas muita necessitadas de afeto, que há algo muito ávido naquele que recebe e que a massagem é um alimento para o corpo emocional, um alimento que, de certa forma, preenche, às vezes, essa ausência de carinho. Não porque seja feita com a intenção de fazer uma carícia, mas, talvez, porque é algo que deve ser feito com amor, pois caso contrário não tem efeito.


Há outra razão mais fundamental, relacionada com o que denominamos “travas”, zonas do nosso corpo que estão muito contraídas e que denominamos assim quando se trata de pontos específicos; em caso de afetarem áreas maiores são chamadas de couraça. Talvez esta contração tenha começado levemente e foi, aos poucos, transformando-se em “trava”, uma zona sem mobilidade, que não pulsa como o resto do corpo e da qual a pessoa não tem consciência; não se dá conta de que está contraída e de que há toda uma musculatura que não trabalha e, também, algo psíquico que não se desenvolve; a energia está obstruída e, também, a circulação sangüínea e muitas outras coisas. Quer dizer, se há uma “trava” ou “couraça” aqui no peito, toda a região fica praticamente imobilizada (“travas” ou “couraças” são regiões do corpo que estão contraídas, em maior ou menor escala).
Se vou aceitando esta postura, que me deixa sem possibilidade de mover-me, a mente começa a funcionar mais lentamente, passa a ser difícil a emissão de sons, colocar a voz é um esforço titânico, a circulação sangüínea e energética são detidas; junto com isto vou perdendo a possibilidade de alegria, a quantidade de ar que passo a inspirar com esta contração é pequena, e não há alegria se não posso inspirar plenamente. Porque a alegria não é somente psíquica é psico-física.
O desânimo físico pode transformar-se em psíquico e vice-versa. Então, se não mudo esta postura, limito minhas possibilidades de alegria e, também, de expressão. Como posso ter uma expressão de satisfação, de plenitude se não consigo abrir os braços e o peito completamente? Se tivesse que rir eu o faria devagar e para dentro. Não pensem que estou inventando. Qualquer um que fique nesta posição por algum tempo, passará pelo que está acontecendo comigo agora. É um dos princípios da relação psíquica que é quase matemático, para um determinado tipo de “trava”, temos determinadas atitudes psíquicas que lhe são características e, consequentemente, determinadas possibilidades e impossibilidades psico-físicas.
Uma grande quantidade de “travas” vai desfazendo-se por si mesma, simplesmente fazendo movimentos em um grupo de ginástica harmônica. Porém, existem algumas mais profundas, de mais difícil conscientização, as quais só podem ser eliminadas através de um trabalho de massagem, de uma ajuda mais direta. Este é outro dos motivos da ocorrência da massagem. 



P. – Qual pode ser a origem de uma “trava”?



M.A. – Uma “trava” pode ter sua origem em algo físico, hereditário ou emocional. Por exemplo: uma pessoa teve um desgosto, pensemos em alguma situação dramática… encontrou sua mulher, ou seu marido, com outro(a), chegou tranqüilo e de repente ante aquela situação … (faz uma breve dramatização). Eu disse “Ah”, outras pessoas não diriam nada, porém ali ocorreu uma situação de tensão que pode ser a origem de uma “trava”, que neste caso poderia ser um pouco mais, ou um pouco menos, duradoura, porque a pessoa está casada há pelo menos 20 anos. Porém, em uma criança, um grande susto que se incorporou à sua expressão, pode provocar uma contração que depois, com o tempo, já não percebe mais, fica incorporada à sua postura; algo ali fica endurecido, imobilizado, até que ela possa expressar tudo aquilo que ficou sem ser expresso e assim ir destravando-se.
As distintas regiões do corpo indicam-nos coisas diferentes que, cada uma em um momento, ficaram detidas e isto depende, também, da história de cada pessoa, da sua infância, de qual o tipo de família que teve. Por exemplo, a “trava” pode ser sexual, não somente pela repressão sexual, como por uma educação inadequada de uso dos esfíncteres, que na maioria dos casos orienta-se por conceitos de higiene e limpeza. De maneira que se a criança está limpa, o adulto faz tudo para ela, parece que a limpeza é o mais importante. Não que eu esteja defendendo a falta de higiene, mas em muitas famílias o aprendizado da higiene e do controle dos esfíncteres, às vezes, é feito de maneira muito cruel, castiga-se a criança, etc. e ali cria-se uma “trava”, com os problemas orgânicos e psíquicos dela decorrentes.
Para começar, ao contrairmos os glúteos e toda região baixa do ventre, passamos a não ter uma boa descarga energética à terra, e os seres humanos são “artefatos” magneticamente conectados com a terra, como também com o sol. A região do baixo ventre está conectada com a terra e se eu a tenho contraída, pode ser que vá me debilitando e trave meu caminhar e, em conseqüência, como não tenho um bom apoio, ou pelo apoio ser muito instável, desenvolvo uma grande timidez. Pode ocorrer, também, que eu passe a me carregar de tensão e como não tenho como descarregá-la, desenvolvo uma contração e retenção de energia, a qual, por estar ali travada, não circula e fica ali como um tesouro escondido. Podemos ter isto em qualquer parte do organismo, dependendo, como estava dizendo, do tipo de família, etc. … ainda que nem tudo dependa disso, eu estou convencida. 



P. – Suponho que cada pessoa tenha uma sensibilidade maior ou menor às diferentes coisas que ocorrem em um determinado lugar, ou ambiente ….



M.A. – Sim, eu creio que nem tudo depende da educação. Há certas teorias que dizem que o ser humano nasce como uma página em branco. Eu não creio. Eu mesma tive quatro filhos totalmente diferentes ao nascer e que seguem sendo diferentes até hoje. O ser humano já vem ao mundo com certas características e definições, entre elas as que se conhecem como tipológicas; são várias e têm sua parte da verdade. Por exemplo: o impacto determinado pelo meio social não é o mesmo em uma pessoa longilínea, de músculos compridos, delgados e de tecido bem mais macio, em um tipo muscular sangüíneo ou em um brevilíneo, de músculos curtos, baixinho, gordinho, etc. Determinado impacto em uma pessoa produz uma “trava” e em outra não, ou provoca uma “trava” em outra região.
Além disso, há todas as variáveis genéticas, hereditárias. Se, por exemplo, tenho uma família onde todos são encurvados, o mais provável é que eu venha a encurvar-me e, consequentemente, passe a ter todas as características psíquicas correspondentes a esta postura, como dificuldade de expressar minha agressividade e, portanto, ela se volta para dentro de mim, e a seguir se converte em alguma doença ou algo parecido. 



P. – Não há também “travas” sociais? Como peito para fora, barriga para dentro, estilo “macho”? 



M.A. – Essa postura é uma armadura social. De princípio, oculta a possibilidade de sentir medo: “homem não sente medo”, e se sente “não deve demonstrá-lo”.
Esta impossibilidade de expressar-me gera, como conseqüência, a perda de contato com o mundo interior e comigo mesmo; ao perder este contato, me perco de mim mesmo e não sei quem sou. Se vivo muitos anos com esta postura, todas as respostas que vou receber estarão relacionadas com ela; se tenho a aparência desafiadora, as respostas que recebo, em geral, serão bastante agressivas, porque inspiro medo e hostilidade. Todavia, debaixo dessa armadura pode haver alguém muito sensível e assim é na maioria dos casos. Então, esta pessoa, que é sensível e está recebendo respostas hostis, sente um desânimo e um desencontro muito grandes.

O que e fazemos e para que? Parte 2

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

P. – A ginástica sueca também não tem algo a ver com isto?

M.A. – Sim, porém o que ocorre com muitas ginásticas é que elas foram desenvolvidas para a luta, para a preparação do soldado e quando se prepara um soldado a intenção é que o mesmo não se sinta, que fique meio insensível e meio automatizado. Isto é perfeito para este fim, tanto para dar como para cumprir ordens: “vá lá e mate-o”, porque o soldado insensibilizado e automatizado irá obedecer. O senso de discriminação de valores, com uma postura de joelhos rigidamente esticados e de cintura travada, fica muito diminuído. Ocorrem coisas opostas em nossa sociedade neste sentido. Por um lado estimula-se no homem esta postura de peito para fora barriga para dentro e por outro, temos 2000 anos de cristianismo dando outra mensagem: de humildade, de baixar a cabeça, saber aceitar, dar a outra face; mensagens contraditórias que fazem que não se saiba que direção tomar. Assim são criados muitos problemas, consigo mesmo e com o ambiente.

É neste sentido que a expressão, outra das ferramentas que usamos aqui, é importante para que a pessoa possa encontrar-se consigo mesma, com o que sente de verdade. Lembrem-se que, em geral, recebemos uma educação quase contrária a que nos expressemos: “não grite”, “fique quieto”, “meninos não choram”, etc.; ou que nos ensinaram a falsear nossa expressão. Se alguém está com medo deve aparentar a maior tranqüilidade ou ao contrário ter uma atitude desafiadora; se sente confiança em alguém deve dissimular para não ser explorado e assim uma série de coisas que escutamos na infância, ditas pelo pai e mãe ou porque estão no ar.

Desta maneira, aprendemos a não colocar a expressão autêntica no que sentimos, mas uma expressão inautêntica.

Esta, provavelmente, é uma das enfermidades mais graves que temos, uma das condições que nos mantém subdesenvolvidos (e não me refiro ao país, mas a cada um de nós). Não expressar o que se sente e ter que transformar, permanentemente, o sentimento, significa um desgaste de energia do qual não temos consciência e não a temos porque aprendemos a fazê-lo desde pequenos e o fazemos automaticamente. Não sabemos realmente o que sentimos, por que sinto medo, mas o que estou expressando é que me sinto muito tranqüilo. Qual sou eu? E aqui entramos em outro aspecto do nosso trabalho, o relaxamento: quando eu não sei onde estou ou para onde ir, nem quem sou – e este é um dos estados em que caímos freqüentemente, segundo o que tenho observado -, a única coisa apropriada a fazer é relaxar, relaxar completamente, isso permite-nos voltar ao próprio centro do nosso ser, a reencontrar-nos.

P. – O que você quer dizer com “o próprio centro” ou “reencontrar-nos”?

M.A. – A idéia é a seguinte, e desde logo digo que ela é muito simples e não é nenhuma doutrina, é uma hipóteses para cada um testar consigo mesmo, algo para comprovar. Eu creio que em cada um de nós há algo essencial, o que nós chamamos “essência”, outros de “eu profundo”, “alma”, “espírito”, cada um pode dar o nome que queira.

Aqui dizemos “essência”, e esta é como se fosse o centro, o coração de cada um. A envolvê-la está o que chamamos “personalidade”, que seria como uma roupa que colocamos para andar pelo mundo. Quando este traje – a personalidade – está adequado, quando é como devia ser, “uma forma de expressão da essência”, tem vários matizes. Então, posso chegar a viver de verdade, viver sendo profundamente eu, sentir que Eu Sou, além de ser covarde ou valente, além da posição social que desfruto, etc. Esta consciência de ser é o que chamei anteriormente de nosso centro.

Todo desenvolvimento e harmonia do ser humano tem a ver com tomar consciência de si, vivenciar esta consciência constantemente. Porque quase todas as confusões que fazemos têm a ver com o fato de não termos consciência de Ser; assim fazemos tais confusões constantemente para sentir a nós próprios: necessito que me queiram, necessito que me elogiam ou me ofendam (porque ocorre de tudo), necessito ser o presidente da república para sentir que eu Sou, para sentir a mim mesmo.

A autoconsciência, a consciência profunda do ser – e não me refiro à consciência de culpa (porque dessa já há demais) – é uma “avis rara”, não sei porque, porém é assim, na maioria dos casos. Muito poucas pessoas têm esta paz alcançada por sentir-se ser, por ter compreendido que ninguém tem que fazer algo especial para Ser.

O que nos acontece, na maioria das vezes, é que estamos acostumados a reconhecer-nos através de alguma qualidade. Alguma qualidade elogiada quando éramos crianças: “oh! muito bem, que generoso, como empresta seus brinquedos a seu priminho …”. Assim nos tornamos generosos e nunca vamos nos permitir um momento de egoísmo. Ou ao contrário, fomos condenados: ” que menino mau, batendo na sua irmãzinha”, e aí a criança, de repente, identifica-se com essa qualidade: “eu sou mau”, e dificilmente consegue reconhecer a bondade nele mesmo. Essa é uma das grandes travas que se produzem a nível psíquico; se lhe disserem “mau”, sai pelo mundo agredindo a todos; se lhe disserem “generoso”, passa a viver como se pudesse ser, permanentemente, generoso e isto é impossível. Ninguém tem esta possibilidade; e aí começam os problemas, porque se “eu sou generoso”, quando sinto uma pontada de egoísmo, já não sou mais eu, esta pontada me nega a existência, a possibilidade de ser. Então o eixo do meu ser está centrado em uma qualidade, porque construí minha personalidade ao redor dela. Porém, a realidade é que não sou todo assim, isso é o que chamamos de personalidade mecânica ou falsa personalidade, porque não expresso a totalidade do meu ser e sim um aspecto ou personagem; o mau, o generoso, etc.

À medida que se vai cristalizando a maneira de ser do personagem, o indivíduo aprende a se reconhecer exclusivamente através dele e sente que os outros também o reconhecem através dessa imagem, assim se distancia do seu “eu profundo”, coloca seu centro em um eu periférico e parcial, o qual não pode conter de modo algum toda sua realidade. Com este deslocamento, vai abrindo mão da possibilidade de um contato verdadeiro com o mundo exterior e consigo mesmo; e aqui estamos de volta ao que falamos antes, é necessário voltar ao próprio centro, reencontrar a nós mesmos.
Como havíamos dito, o relaxamento permite-nos conectar com essa consciência profunda de ser, consciência que nos permite sermos generosos, egoístas, burros, inteligentes, alegres, tristes e sempre eu. Porém um eu pleno.

P. – Como vocês praticam o relaxamento e como se pode combater a tensão? 

M.A. – Diferentemente de algumas disciplinas orientais, que praticam o relaxamento em total silêncio e parados – ainda que nós também pratiquemos este tipo de exercícios -, nós praticamos o que chamamos “relaxamento em movimento”. Ou seja, podemos nos relaxar em qualquer ação que estejamos realizando, sem que necessariamente tenhamos que deitar em um cama para relaxar e nos encontrar. Vocês fizeram há pouco alguns movimentos e devem ter sentido que são movimentos que propiciam um elevado grau de relaxamento, isto ocorre porque eles não estão baseados na contração. Por exemplo: uma flexão de braço pode ser feita de duas maneiras, uma com a contração do músculo, outra colocando a intenção de relaxamento no músculo oposto, porque para cada movimento há sempre um par de músculos envolvidos – o protagonista, e o antagonista -, se ponho a atenção no protagonista, vou fazer um movimento duro com muita força, o qual não se justifica se não estou levantando algo pesado. O que produz a tensão são essas contrações que não obedecem a algo funcional, chamam-se “contrações isométricas”; se eu tenho que levantar algo pesado, preciso fazer um certo esforço para realizar este movimento, há uma situação muito diferente se eu, em lugar de pensar em contrair o protagonista, penso no outro músculo que vai ser estendido e o relaxo para poder fazer o movimento. É o mesmo movimento, mas o que se produz ao nível psico-físico é completamente diferente. Se aprendo a trabalhar desta maneira, e isso é o que praticamos aqui nas aulas, chega um momento em que se pode fazê-lo em qualquer área. Além do que, nos damos conta de que a ação não é mais eficiente porque é feita com uma grande dose de contração, porém ao contrário. Por exemplo: é muito comum quando alguém quer por muita atenção em algo que franza os supercílios e a testa, tensionando esta região, e está comprovado que quanto mais tensão haja, menos pode compreender.

Outra maneira de relaxar a tensão é expressar-se, coisa que também praticamos nas classes; há outros que dissipam a tensão fazendo exercícios com a voz.

P. – Por que com a voz?

M.A. – Porque a voz está em uma das zonas mais travadas que temos e nós, os argentinos, em geral não temos uma boa emissão, talvez porque sejamos tímidos (a menos que estejamos em grupo). Ao contrário os espanhóis e italianos tem muita boa emissão de voz – estou falando no geral, porque ocorrem todos os casos. Nós falamos muito à partir da garganta, metade da voz fica presa dentro da garganta e vai se fazendo inexpressiva. Isto, devido, em grande parte, ao que já comentamos anteriormente, ou seja, recebemos uma educação que inibe a expressão, assim a emoção que nos provoca o que estamos dizendo fica travada, e com ela a voz, a garganta e uma quantidade de energia que, finalmente, nos provoca dano; por isso os trabalhos com a voz que são feitos nas classes, ou individualmente, são uma grande ajuda, pois permitem a descarga e o destravamento.

P. – Como identificar em que ponto cada um se encontra e qual tipo de trabalho necessita? 

M.A. – Inicialmente, há um tipo de trabalho geral que faz bem a todos, tenha a trava aqui ou ali, porque todos temos as mesmas articulações, os mesmos ossos, os mesmos músculos e vivemos em um mesmo lugar ou com características similares, de maneira que o movimento faz bem a todos.

Além disso, os instrutores desenvolveram uma capacidade de ver, o que se chama “leitura corporal”, que na realidade não sei se é corporal ou psico-física, porém de qualquer forma refere-se à sua pergunta. Assim, se alguém necessita um trabalho individual – se é que a pessoa por si mesma já não o começou – é proposta uma entrevista, faz-se uma ficha e aconselha-se uma massagem, uma corretiva de coluna, etc. e fazemos um acompanhamento.

Às vezes fazemos planejamentos individuais, por exemplo: 3 meses de ginástica harmônica e depois trabalho com a voz, etc. Alguma outra pergunta?

P. – O que se faz quando se está totalmente destravado?

M.A. – Isso nunca chegou a acontecer.

Corpo e psiquismo – Parte 1

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

Sobre a importância do ritmo para recuperar e promover o equilíbrio psico-físico. 

Inicialmente, vou citar alguns trechos de um artigo, escrito por mim, publicado na “Revista de la Associación de Psicólogos”, nºs 17 e 18. Dizia, então, que cada traço da personalidade se manifesta através de uma plástica; denominamos desta maneira uma atitude, um modo psico-físico de estar, de relacionar-se, que tem a vantagem, para o nosso trabalho, de ser visível a olho nu, porque está gravada no corpo. Cada plástica implica um modo de respirar, de perceber, de sentir, de pensar, de responder, de conhecer, etc. Disto se depreende que há uma grande quantidade de plásticas possíveis, tais como: expansiva, confiante, alegre, reflexiva, temerosa, vacilante, retraída, agressiva, distante, dentre outras. 



Freqüentemente, observamos indivíduos que se fixaram em determinada plástica, correspondente a um momento de grande intensidade (aprovação, êxito, rebeldia, agressão, etc.) que não quiseram ou não puderam expressar, que deu origem, no corpo, ao que chamamos “trava”; esta postura que se fixou, traz como conseqüência o reativar e tornar crônicos estados emocionais com ela correlacionados. 



As travas se localizam em zonas determinadas do corpo e podem ser vistas e apalpadas. Na raiz de sua formação, no corpo, encontram-se zonas de desvitalização, com alterações no tonos muscular, falta de irrigação, falta de força, etc. e, ainda, do ponto de vista da consciência, como zonas não reconhecidas do esquema corporal. 

Para completar, assinalaremos, também, a existência de várias inteligências, ou centros, no ser humano que serão encarregadas de organizar, funcionalmente, a energia.

Mencionaremos alguns:



a) centro motor do movimento

b) sexual 

c) vegetativo 

d) emocional 

e) intelectual



Neste sentido, creio que vivenciar e compreender os diferentes ritmos, destas diferentes inteligências que possuímos, às quais chamamos de centros de energia, seria uma forma de conseguir que se produza uma mudança real, a qual só pode ocorrer se, efetivamente, pusermos em ação cada um dos centros de forma mais livre. Para tanto, consideramos importante como primeiro passo, conseguir que o movimento surja do centro motor. 



O que queremos dizer com isto? Trata-se de recuperar um grau de liberdade do movimento que, em boa parte, se perdeu, devido ao tipo de vida que temos na cidade grande e do tipo de educação que recebemos, que é restritiva quanto as manifestações mais vitais de uma criança, como correr, saltar, trepar, gritar, brigar, balançar-se, etc., pois nas moradias atuais (em geral pequenos apartamentos) tudo isto é impossível. 



Esta falta de liberdade, por si mesma, vai desenvolvendo travas nas crianças, as quais impedem um crescimento harmônico; temos articulações que não se movem, músculos que não se desenvolvem o necessário e ossos que, ao não serem tracionados por estes músculos, tão pouco adquirem a necessária extensão e força. Tudo isto traz, juntamente, a redução da confiança no próprio corpo e uma certa sensação de impotência difícil de ser erradicada, mesmo que, muitas vezes – através dos inúmeros meios que dispomos atualmente -, procuremos compensar a criança, dando maiores estímulos à sua fantasia ou inteligência, tentando que o centro intelectual supra uma carência que, em verdade, não pode suprir, porque corresponde a outros níveis de existência. 



Creio que a recuperação da liberdade do corpo e da confiança no corpo são uma base muito importante para o sentimento de confiança em si mesmo e na vida, o que só pode ocorrer com incremento do movimento, ajudado por ritmos de grande potência, para que se alcance um ponto de maior intensidade energética do que aquela em que se formou a trava. Neste ponto teríamos a oportunidade de quebrar o condicionamento que se formou na infância e que descreveríamos como uma interferência do centro intelectual com os centros motor e emocional. Esta interferência de centros faz com que fique gravado, com relação a algumas atividades da criança, o “não devo” paterno como um sinal de perigo, que segue atuando por toda a vida sobre os movimentos, especialmente sobre os reflexos.



A idéia que sustentamos é que todo movimento se inicia, ou deveria iniciar-se, com um movimento reflexo. Quando se trata de um pequeno movimento, o simples reflexo pode realizá-lo; quando se trata de um movimento mais amplo, a respiração auxilia na expansão daquele pequeno movimento reflexo inicial. Aparentemente, este seria o movimento natural. 

Estes movimentos naturais, em boa parte se perderam, porque alguns reflexos foram inibidos,em especial aqueles que respondem a uma idéia ou propósito. A manutenção daqueles reflexos que respondem, mais diretamente, ao instinto de conservação é mais fácil, como a retirada automática e rápida da mão quando se toca um objeto muito quente. 



Diferentemente, vejamos o que pode ocorrer quando se trata do reflexo que inicia o ato de caminhar. Por exemplo: quero ir até um outro quarteirão para encontrar-me com alguém com quem vou realizar um trabalho; porém, esta pessoa tem um tom de voz que me recorda meu pai, em seus momentos de raiva; isto dá origem a um “não”, possivelmente a nível inconsciente, e em conseqüência uma inibição do reflexo de caminhar, com a respectiva seqüela; para ir até lá terei que utilizar um potencial muito superior do que seria necessário em um caminhar natural e, portanto, vou realizar uma quantidade de contrações que irão consumir um quantum energético que estou retirando de outros aspectos de mim mesmo.



Pode ocorrer, também, que esta inibição, gravada a nível de reflexos musculares, seja a encarregada de reativar estados psíquicos infantis, por exemplo: me disponho a fazer uma viagem pela qual me sinto interessada, mas alguma trava, formada na infância, nas pernas, me dificulta realizá-la. Não há uma resposta direta (isto seria o reflexo) entre a idéia de ir e o conseqüente movimento da perna, de maneira que preciso recorrer a outras instâncias de mim mesma para reunir energia suficiente, vencer a trava e realizar o que me havia proposto.



Estes dois exemplos dizem respeito a casos onde as travas não eram demasiadamente profundas, pois, caso contrário, simplesmente não poderia realizar o que me proponho. 



Neste sentido acreditamos que é importante resgatar os reflexos que ficaram inibidos. Para tanto, é adequado o uso de movimentos rítmicos que, por sua insistência, cheguem a romper os limites do próprio eu, enquanto imagem de si, incluindo o esquema corporal. Seria interessante que isto fosse visto, também, à luz da fisiologia e, para tanto faço um chamamento a todos que estejam interessados neste tema para que ele possa ser estudado com mais profundidade.

Corpo e psiquismo – Parte 2

(* Este texto está dividido em duas partes)
Autora: Maria Adela Palcos

Sobre a importância do ritmo para recuperar e promover o equilíbrio psico-físico.

Pelo que tenho visto, creio que a imagem de si e o esquema corporal estão relacionados com as vias nervosas ou circuitos reverberantes que tenham tido preponderância em cada um; ou seja, “as formas de fazer” aprendidas, esquemas de movimentos gravados a nível dos neurônios, como também respostas sensíveis ou emocionais, aparentemente mentais, que são verdadeiros reflexos condicionados, formados à partir das marcas deixadas por nossas primeiras sensações, ações, etc. Estes reflexos condicionados são autênticas prisões do ser vivo, que inibem a possibilidade, eminentemente humana, de escolha. Se não posso escolher, não sou livre e nem, tão pouco, posso responsabilizar-me, verdadeiramente, por minhas ações, pensamentos ou sentimentos. Ser um ser humano, implica em tudo isto.



Como é sabido, a inibição dos reflexos dá-se ao nível cortical, e vivemos em uma civilização que valoriza muito este nível e desvaloriza, consequentemente, todos os níveis sub-corticais, como sendo próprios dos animais.



O nível de vida consciente tem sido privilegiado, talvez sem levar em conta que este “nível” tem a ver com um tipo de consciência ou inteligência: a inteligência do centro intelectual, sem ter em consideração que nos níveis sub-corticais residem outras inteligências, como as dos centros emocional, vegetativo e motor.



Consideramos que, para chegar a uma real integração, estas inteligências têm que conectar-se entre si, tem que haver um diálogo entre elas. Para tanto é necessária uma quebra na hierarquia da inteligência intelectual em relação às demais. Buscamos, com o ritmo, que ocorra algo similar ao que podemos ler no “Tratado de Fisiologia Médica”, do Dr. Arthur C. Guyton, no capítulo relativo aos reflexos, páginas 747 e 748 … “para o estudo dos reflexos medulares, seccionamos o talo cerebral no ponto médio entre os tubérculos quadrigêmeos superior e inferior, suprimindo desse modo as influências inibidoras provenientes de mais acima (córtex cerebral); assim, sem ter causado dano à zona facilitante bulbo-reticular, os reflexos medulares podem ser intensamente ativados em diversas circustâncias, e podem tornar-se muito poderosos; às vezes, mais em condições normais do que na suposta separação dos centros superiores (córtex cerebral).

“

Pela nossa experiência, parece que certas situações rítmicas, produzem algo similar ao seccionamento do talo cerebral, por debaixo do córtex, sem as conseqüências nefastas que isto poderia trazer. Pode produzir-se a excitação da zona facilitante bulbo-reticular, com a conseqüente liberação da energia que estava retida e com muita economia de energia nervosa.

Com isto estaria sendo mudado um padrão de conduta que estava gravado nos músculos, e sendo inaugurados novos circuitos neurais, que não se encontravam em uso. 

Como é de amplo conhecimento, somente 10% dos neurônios cerebrais estão em uso, o que dá um idéia da necessidade que temos de atividades que possam fazer-nos alcançar um desenvolvimento mais completo. Dá-nos a idéia, também, que numerosos enfoques sobre o ser humano que se consideram como terapêuticos, deveriam ser considerados, simplesmente, “ferramentas para o desenvolvimento humano”.



Isto posto, não é de estranhar que um ser que esteja funcionando com 10% de suas possibilidades, tenha desequilíbrios. Creio que estes são uma indicação de um ser em desenvolvimento e que ele não se dá de maneira constante. Isto foi muito estudado em relação à psicologia dos adolescentes, como sendo uma característica normal da etapa da vida pela qual estão passando. Por que não estender esta condição ao resto dos seres humanos? Por que considerar como uma enfermidade algo que pode ser um simples problema de crescimento? 



Voltando ao tema do centro motor, convém deixar claro que quando falamos de libertar-se dos próprios condicionamentos através do ritmo, referimos-nos não só a movimentos como a dança, mas também a trabalhos manuais, de emissão de voz, de mímica, de expressão verbal e, inclusive, massagens realizadas em forma rítmica. 



Temos comprovado que a expressão verbal, feita com uma dinâmica diferente da habitual, faz aflorar, muito rapidamente, conteúdos inconscientes reprimidos, e o mesmo ocorre com as outras formas de trabalho mencionadas. Desta forma, vamos recuperando o funcionamento natural do reflexo muscular e possibilitando a liberação do que poderíamos chamar expressões reflexas, que são expressões mímicas, vocais e de posturas primárias, diretamente ligadas com zonas arcaicas do psiquismo. Uma vez que estas expressões emocionais começam a fluir, está aberto o caminho para o pleno desenvolvimento da vida emocional e, pouco a pouco, podem ser encontrados novos ritmos, próprios deste centro emocional e que, às vezes, são desconhecidos por nós mesmos. Estou referindo-me a ritmos internos do sentir e, também, a ritmos de expressão exterior, ou seja, de comunicação emocional com o meio externo. 



Tendo sido dados os passos anteriores – a liberação dos reflexos musculares e as expressões correspondentes – o centro intelectual está em condições de recuperar para suas funções específicas uma quantidade de energia que estava comprometida. Por um lado para manter a repressão e, por outro, para tentar suplantar carências, inventando todo tipo de subterfúgios e racionalizações.



A função criativa da mente é, especialmente, a que fica mais bloqueada por estas interferências de centros.Com frequência, comprovamos que durante algum trabalho rítmico surgem idéias ou soluções verdadeiramente criativas, com as quais o centro intelectual vai, também, adquirindo novas formas de funcionamento, vai despertando novos circuitos neurais, vai alcançando novas dimensões que se situam, de maneira cabal, na função correspondente. É interessante poder descobrir, também, os ritmos próprios do centro intelectual e, desta maneira, facilitar o diálogo entre as diferentes inteligências que mencionamos.



Quando cada instância, cada centro, tiver recuperado aquilo que lhe é próprio, é possível que ocorram menos interferências; é possível confiar que minhas pernas possam me sustentar; confiar em meus sentimentos, os quais encontrarão seu espaço e seu tempo adequados; e que a minha mente, liberada de tanta tarefa inútil que a sobrecarrega, possa lançar-se na aventura do pensamento.

As 3 plásticas

Autora: Maria Adela Palcos

Havia três escolas de autoconhecimento e transformação humana. Cada uma dispunha de variado instrumental para que o ser humano alcançasse sua mais completa realização.

A Escola Apolínea

Tinha uma disciplina austera, frugal, comedida, buscando sempre a ascensão da energia.

Dela derivam a escultura grega, o desenho, a linha pura, a arquitetura clássica, a música culta, cortesã.

O tipo de plástica correspondente a esta escola é representado pela dança clássica, de passos fixos, bem estudados, com uma forma precisa, estética, equilibrada. Esta escola esteve em voga, no mundo ocidental, até meados do século XX.

A Escola Dionisíaca

Como a apolínea, nasceu na Grécia. Porém, era antagônica àquela. Uma respondia à energia do sol nascente, Apolo; a outra a do sol poente, Dionísio.

Esta escola buscava a autorealização através do sentir e do expressar, experimentando e transitando por todo tipo de emoções.

Dela nasceram o teatro, a tragédia e a comédia, a pintura com profusão de cores, a ópera e grande parte da música folclórica.

A plástica dionisíaca trabalha no plano horizontal, expansivo, em giro permanente, vinculando o que está fora com o que está dentro, expressando com plenitude todos os extremos do sentimento humano. Busca a total centrifugação, que produz uma conexão mais sutil com o essencial, através dos centros cardíaco e lumbo-sacro.

As Escolas Orientais

Muitas delas ainda existem e, portanto, são mais conhecidas. Tanto as diversas yogas como as diferentes formas de zen-budismo e muitas outras que não vamos mencionar, pois há extensa literatura a respeito e possibilidade de conhecimento direto.

A plástica orientalista é de alternância entre um lado e outro – esquerdo e direito, ying e yang. Privilegia o equilíbrio instável, sem definição, porém com uma sábia capacidade de optar pelo que seja mais adequado a cada momento.

Seu ponto de apoio encontra-se no centro vegetativo, onde encontra a paz que permite viver esta indefinição, esta possibilidade de aceitar os opostos, sem ansiedade, nem angústia.

Esta plástica libera pelo humor, que é trabalhado pelas linhas laterais do corpo.

A plástica apolínea procura a forma ótima como modo de preservar o conteúdo.

A dionisíaca, em contra partida, busca liberar o conteúdo, rompendo a forma.

A orientalista alterna a importância entre forma e conteúdo, de acordo com a situação.

Nosso sistema procura combinar estas 3 plásticas, pois entre a reta, o círculo e a vibração alternante, consegue-se ingressar na espiral evolutiva que é o movimento para o infinito.

Escola Apolínea Escola Dionisíaca


Escola Apolínea Escola Dionisíaca
Intelecto Intuição
Clareza de Consciência Valoração do Inconsciente e do Supraconsciente
Racional Emocional

Sobre o serviço

Autora: Maria Adela Palcos TEXTO COMPLETO

O ser humano como ser que ama.

O ser humano como ser de serviço.

Creio que temos que desenvolver, neste momento, a idéia de serviço; idéia em torno da qual todas as energias dispersas podem ir encontrando seu lugar: as de alegria e as de tristeza, as de boa vontade e as de má vontade.

Precisamos tomar consciência de que estamos prestando um serviço, tanto se compusermos uma música, como se fizermos uma casa ou vendermos algo no mercado.

Cada ação é um serviço. Até o respirar, o sorrir e o chorar; cada uma de nossas manifestações vai produzindo uma transformação, uma mudança ao nosso redor.

Temos que tomar consciência disto e, em cada ação, perguntar-nos: que serviço estou realizando com esta ação? Que serviço está sendo realizado por meu intermédio? Qual é a mudança que está sendo produzida por esta minha respiração, por este meu pensamento, este cumprimento, esta comida que estou ingerindo, este grito que emito, esta palavra que digo ou que não digo?

O que estou produzindo… com toda contínua irradiação que sou?

Sou uma irradiação contínua, porém não sou uma atenção a esta irradiação; portanto, não posso responsabilizar-me pelo que sou; portanto não sou livre. Só aprendendo o verdadeiro serviço, o serviço total, serei livre.

Nossa essência é serviço, na medida em que é vida dentro da vida.

Fomos criados para sermos mortos dentro da vida; continuamente freando a vida para ver o que ela me dá. Está me dando tudo o que tem que me dar? Tenho que exigir; tenho que protestar. Tenho que conseguir o que me pertence; tenho que agarrá-lo; e, se não me dão, tenho que fazer com que sintam o meu descontentamento, minha fúria, minha negação.

Exatamente o que temos que fazer é ir para a margem oposta.

Só a contemplação do espírito de serviço, em cada ato de nossa vida, pode conduzir-nos à liberdade.

Liberdade e amor são uma coisa só e a mesma coisa; uma mesma substância irradiante, que é o que sou.